História de uma Acta | Jornal da Madeira

História de uma Acta

Artigo | Qui, 30/07/2015 – 03:42 |

Por Duarte Afonso

 

O Acordo Ortográfico não entrou em vigor em 1994 conforme estava estipulado por não ter sido ratificado por todos os países de língua oficial portuguesa.

Em 2004 na V conferência dos Países da CPLP realizada em 26 e 27 de Julho, em São Tomé e Príncipe, adoptaram um Segundo Protocolo Modificativo que alterou o art.º 3.º do Acordo para que o mesmo pudesse entrar em vigor só com o terceiro depósito de instrumento de ratificação.

Se o Acordo era tão importante para a “unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional”, como afirmam os seus autores, porque é que não conseguiram que todos os países intervenientes ratificassem o Acordo? Porque é que foi preciso alterar o art.º 3.º do aludido Acordo?

Angola e Moçambique ainda não o ratificaram. Uma notícia do Expresso do dia 23 de Junho do ano corrente é bem explícita a esse respeito, da qual, com a devida vénia passo a citar duas passagens:
“Exigências de Angola e Moçambique sobre o Acordo Ortográfico (AO) obrigaram à alteração da ata final da XIV Conferência dos Ministros da Justiça da CPLP, em Díli, para incluir, ao longo de todo o texto, as duas grafias.
Esta foi a solução encontrada depois de um debate que incluiu referências múltiplas à “língua de Camões” e até a análise etimológica da palavra “ata”, que o representante da Guiné-Bissau disse poder suscitar uma interpretação alternativa” de atar pessoas”.

Estes factos além de tantos outros demonstram que o Acordo é ilegal, e o 2.º Protocolo Modificativo não tem valor. Se tivesse e estivesse dentro da legalidade a Acta era assinada por todos os países intervenientes em conformidade com o dito Acordo e não com duas grafias, Acta e “Ata”.

Angola e Moçambique tinham e têm razão porque naqueles países o Acordo não foi ratificado, escrevem o português correcto e não o acordês que é a trapalhada que se escreve em Portugal. Por isso os seus representantes exigiram a grafia que se escreve nos seus países e não abdicaram da palavra Acta, com (C).

Estes factos e não fatos são uma lição para Portugal. No nosso país os governantes com o beneplácito do Presidente da República impuseram um Acordo Ortográfico, ilegal, inconstitucional, cheio de erros grosseiros e disparates escandalosos. Na Conferência de Díli o representante de Portugal não foi capaz de impor no estrangeiro o que os governantes impõem em Portugal, o que significa que o Acordo é uma mentira.

Angola e Moçambique não alinharam na ilegalidade, e por isso defenderam a nossa língua, a língua de Camões, porque também lhes pertence, porque a estimam e respeitam.

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Uma história (muito) mal contada [II]

AR_revista_Sabado0715Não sai dela uma reforma, uma lei, um princípio eloquente, um dito fino! A deputação é uma espécie de funcionalismo para quem é incapaz de qualquer função. É o emprego dos inúteis.
Eça de Queirós, “Uma Campanha Alegre”, 1891

A porca da política

Pulhítica, diz o povo. Temos de aceitar que se trata de uma “arte”, visto que está pejada de verdadeiros artistas, e consiste basicamente, a vidinha do político, não em servir a causa pública mas em servir-se dela o mais e o mais depressa que puder.

No fundo, as coisas funcionam na política exactamente da mesma forma que em qualquer outro ambiente da vida animal, isto é, trata-se apenas de uma questão de recursos, os disponíveis e a sua partilha, obedecendo esta à mais pura e dura lei da selva — a lei do mais forte. Forte besta, por conseguinte, forte idiota, pode ser, mas de qualquer forma tem mesmo de ser forte quem se mete na pulhítica; terá, no mínimo, por uma questão de sobrevivência em tão pouco saudáveis ambientes, de ser o mais pulha possível, pois com certeza, é uma fatal inerência, perdeu-se completamente a “polis” da política, ficaram somente os pulhas na política.

Vem este intróito pôr-se mesmo a jeito, salvo seja, para explicar o facto de não haver no “acordo ortográfico” um módico de acordo e nem um pingo de ortografia, o que remete inevitavelmente o caso para a esfera da pulhítica. Pois por quem mais, se não os pulhíticos, e por que outros motivos, além de interesses pessoais, poderia ter sido parido semelhante aborto? Porque se lembraram eles de tal idiotice, uma bambochata que não serve para nada de útil e que veio apenas semear desunião e discórdia onde antes havia harmonia em sã diversidade? Porque fingem eles ignorar todos os protestos contra o seu deles “acordo”? Porque não leram sequer os pareceres negativos dos mais qualificados especialistas na matéria? Porque persistem, cegamente, friamente, tenebrosamente nesse aleijão abominável?

E, já agora, para rematar, como diabo conseguiram eles fazer passar semelhante coisa, aprová-la por esmagadora maioria no Parlamento e torná-la “obrigatória” na Administração Pública, no Ensino e nas demais “entidades do Estado”?

Ah, bem, a resposta a isso está contida na própria pergunta — a política, como dizia Luís XIV de si próprio, é o Estado — mas valerá talvez a pena esmiuçar (de novo) como sucedeu também neste caso semelhante desgraça.

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Uma história (muito) mal contada [I]

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Aníbal ad portas

Quando e como surgiu o AO90? De quem foi a (peregrina) ideia? Porquê? Para quê?

As respostas a todas estas perguntas resumem-se a uma dúzia de letras (já contando com o espaço) que representam um só nome: Cavaco Silva.

Em Janeiro de 1990, o então Primeiro-Ministro chamou o seu Secretário de Estado da Cultura, o inefável Pedro Santana Lopes, e — segundo declara este mesmo — encarregou-o de duas tarefas “principais”: «assegurar que o CCB estivesse pronto a tempo de receber a 1.ª presidência portuguesa das Comunidades Europeias, a 1 de Janeiro de 1992, e negociar e assinar o Acordo Ortográfico.»

Santana cumpriu ambas as tarefas “principais”, de facto, e em tempo record no que diz respeito ao “acordo ortográfico”: foi assinado na Academia das Ciências de Lisboa em Dezembro desse mesmo ano.

Foi assinado em 1990 mas já tinha começado a ser cozinhado em 1975, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, seguindo a mesma lógica política da anterior “grande reforma ortográfica” de 1911. Lógica política essa que se pode condensar na seguinte premissa: instaurado um novo regime, pela via revolucionária, a primeira prioridade é apagar todos e quaisquer vestígios do statu quo antecedente. A começar pela Língua, evidentemente, já que uma “nova” forma de expressão escrita implica, por exclusão de partes, passar a outra a ser “antiga” — logo, ultrapassada, logo, obsoleta, logo, inútil.

Em 1911, muito pouco tempo depois do derrube da Monarquia, a 5 de Outubro de 1910, o novo regime encetou uma profunda “reforma” da ortografia do Português, com o objectivo (pouco  subtil, convenhamos) de contribuir para tornar irreversível o novo regime determinando administrativamente a obsolescência da Língua “monárquica”. Passava assim, por decreto, a ser obrigatório utilizar uma ortografia “republicana”, tão diversa da anterior como diferentes eram os dois tipos de regime então ainda em confronto. É uma maneira fácil de mostrar serviço: não havia qualquer necessidade de mexer na ortografia mas isso não interessa para nada, mexe-se na mesma e pronto, assim não só se dá a ideia de que já se fez alguma coisa de “novo” (e de “evoluído”) como se passa a “mensagem” de que havia realmente algo de muito errado na escrita “antiga”; pois se não houvesse, para que diabo se iria então “corrigi-la”? E, se houve que a “simplificar”, então não é evidente que ela era antes desnecessariamente, absurdamente, estupidamente “complicada” (e “retrógrada”)?

Idêntico processo de mecânica mental e ideológica ocorreu a alguns portugueses logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Decalcando a “lógica” de 1911, após ’74 também houve uns quantos, certamente netos ou bisnetos dos primeiros, que pensaram imediatamente em mais uma “reforma” da ortografia. E portanto lá foi um grupo excursionista ao Brasil, essa gigantesca ex-colónia portuguesa a 6.000 km de distância, e ali reuniram nossos excursionistas com meia dúzia de sumidades linguísticas indígenas; desta célebre e animadíssima reunião saiu um primeiro rascunho daquilo que em 1986 daria origem a um segundo rascunho, no Rio de Janeiro e já com outras condições logísticas, mas não com menor boa disposição ou com menos folguedos; por fim, 4 anos mais tarde, sobre o segundo rascunho rabiscou-se aquilo que na terminologia oficial foi baptizado como “Acordo Ortográfico de 1990”.

Um acordo que o não é e que de ortográfico nada tem. E sabemos agora que a obsessão pela novilíngua continua, este não será muito provavelmente o último.

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«Carta Aberta ao Ministério da Educação e Ciência» [M.I.L.]

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No PÚBLICO e n’O DIABO: Carta Aberta ao Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal

 

De forma pública e descomplexada, saudamos, juntamente com a Associação de Professores de Latim e Grego, a pretensão do Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal de, no próximo ano lectivo, desenvolver um projecto de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas no ensino básico (cf. PÚBLICO, 04.06.2015).

Enquanto país europeu que sempre foi, Portugal deve preservar essa sua matriz cultural e civilizacional, contrariando uma certa inércia para o esquecimento histórico, bem patente, por exemplo, na diluição da raiz etimológica de grande parte do nosso vocabulário que o novo acordo ortográfico propõe.

Sendo o país europeu com as mais antigas fronteiras definidas, Portugal, de resto, deveria renegar de vez essa atitude provinciana de “bom aluno europeu”, que este e os anteriores Governos têm, nas últimas décadas, assumido. Não precisamos de fazer prova da nossa condição europeia, nem devemos olhar de baixo os restantes povos europeus. Não temos, em suma, de sentir um complexo de inferioridade em relação a qualquer outro povo deste nosso comum continente.

Dito isto, para nós Portugal não é apenas um país europeu. É, de igual modo, senão ainda em maior medida, cultural e civilizacionalmente, um país lusófono. Por isso, exortamos o Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal a introduzir, complementarmente à disciplina de “Cultura e Línguas Clássicas”, uma disciplina de “Cultura Lusófona”, também no ensino básico.

Nesta disciplina, deveriam ter lugar as diversas culturas de todos os países e regiões de língua portuguesa, numa visão de convergência, acentuando aquilo que nos une sobre aquilo que nos separa, mas sem qualquer pretensão uniformizadora. A cultura lusófona será tanto mais rica quanto mais assumir a sua dimensão plural e polifónica, ou, para usar um termo que tem tudo a ver com a nossa história comum, “mestiça”. Desde já nos manifestamos disponíveis para colaborar com o Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal na definição dos conteúdos programáticos dessa nova disciplina.

Essa necessidade de dar a conhecer as diversas culturas de todos os países e regiões de língua portuguesa deveria, de resto, atravessar os diferentes graus de ensino – necessidade tanto mais imperiosa porquanto os nossos “mass media” continuam, por regra, a ignorar ostensivamente o restante mundo lusófono, ou apenas a lembrá-lo pelas piores razões. Se só se pode amar verdadeiramente o que se conhece, é pois tempo de dar realmente a conhecer as diversas culturas de todos os países e regiões de língua portuguesa. Para, enfim, podermos amar a valorizar devidamente a nossa comum cultura lusófona.

MIL: Movimento Internacional LusófonoMIL_Portugal
ww.movimentolusofono.org

Transcrição (e imagem) de: MILHAFRE: O BLOGUE DO MIL, O FÓRUM DA LUSOFONIA: No PÚBLICO e n’O DIABO: Carta Aberta ao Ministério da Educação e Ciência do Governo de Portugal, 23.07.15

Os destaques e sublinhados são meus.

«O eterno desacordo» [Maria do Rosário Pedreira]

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O eterno desacordo

Maria do Rosário Pedreira

Pois é, a discussão sobre o Novo Acordo Ortográfico (NAO) está para durar – e isto mesmo se infere da declaração do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz Sebastião Póvoas, sobre a matéria, ao dizer que a resolução do Conselho de Ministros que obrigou as escolas e todos os organismos do Estado, incluindo os Tribunais, a aplicarem o NAO é inconstitucional «a título orgânico», violou «os princípios da separação de poderes» e, entre outras coisas, não respeitou a «equiordenação entre os órgãos de soberania». Diz, aliás, que o NAO nem sequer se encontra verdadeiramente em vigor, porque não foi ratificado por todos os Estados que o subscreveram (Angola e Moçambique, por exemplo), não estando, por isso, em vigor «na ordem jurídica internacional». E acrescenta que (transcrevo do jornal Público) «coloca em causa princípios e direitos consagrados na Constituição da República, como o “princípio da identidade nacional e cultural”, o “direito à Língua Portuguesa” e o “princípio da independência nacional devido às remissões para usos e costumes de outros países”». E, se um juiz do Supremo o diz, quem sou eu para o contradizer?

Transcrição de: O eterno desacordo – Horas Extraordinárias, 22.07.15

Acrescentei “links” e destaques.