O interior da “igualdade”

«Apoio financeiro atribuído pelo IEFP, IP aos trabalhadores que celebrem contratos de trabalho por conta de outrem ou criem o seu próprio emprego ou empresa, cujo local de prestação de trabalho implique a sua mobilidade geográfica para território do interior.»

1 – «Se a entidade empregadora não tiver atividade registada em Portugal, apenas terá de indicar a designação da entidade empregadora e a atividade económica da mesma.»
2 – «Indicar se a atividade profissional é realizada à distância

[Guia de apoio à apresentação de candidaturas (04-02-2022), transcrição com a cacografia brasileira do original.]

Tudo isto é de facto muito estranho. O assunto já aqui foi referido mas é mais do que evidente a complexidade da matéria, dada a profusão da legislação envolvida e das entidades públicas e privadas, organizações profissionais ou particulares intervenientes: Governo, IEFP, escritórios de advogados, empresas de fornecimento de trabalho escravo (vulgo, “trabalho temporário“), youtubers, “influencers” e palpiteiros a granel. Curiosamente, ou talvez não, do que pouco ou nada se sabe é da participação dos municípios do “Portugal profundo” que teoricamente ficariam muitíssimo gratos por esta extraordinária benesse concedida pelos seus deles compinchas do Terreiro do Paço, de Belém e de São Bento.

De facto, quanto a consequências práticas ou directas, a propaganda ao “Programa Interior Mais” é imenso mas quanto a resultados, números, dados, a coisa fica-se por uma de duas cambiantes: ou contabilizações sempre atrasadíssimas dando conta de uma aparente exiguidade da acção, ou então sobra um silêncio ensurdecedor que nada esclarece nem clarifica nem, principalmente, justifica os meios implicados.

Aliás, os números que resultam daquele programa são paradoxais em relação a um outro que, esse sim, faria todo o sentido mas parece ter tido resultados meramente residuais, quase nulos: o “Programa Regressar“, que teoricamente serviria para incentivar o regresso à Pátria dos portugueses forçados a emigrar em anos recentes.

«Encerrámos o ano de 2022 com um universo de candidaturas de 6.705 acumuladas no período da vigência do Programa, com o potencial de pessoas envolvidas de cerca de 15 mil emigrantes e seus familiares. A taxa de aprovação de candidaturas até ao momento é superior a 70%, com cerca de 4.800 candidaturas aprovadas [“bom dia Europa“]

Não valerá talvez a pena especular sobre a simultaneidade de ambos os programas, mesmo sendo de senso comum que em política não há coincidências, mas não deixaria de ser curioso estabelecer relações de causa e efeito entre um e o outro para entender as diferenças nos efeitos práticos de ambos. Sintetizando o mais evidente, uma coisa não interessa a praticamente ninguém — mas a outra interessa a muitos milhões.

4800 EUROS PARA MORAR NO INTERIOR DE PORTUGAL (PRAZO FINAL)?! (Ep. 878)
Diário da Cidadania por Célio Sauer

Apoio para trabalhadores em Portugal: 4800€ ao morar no interior

Em 17 de julho de 2020, o governo de Portugal publicou um decreto-lei para lançar o programa Emprego Interior MAIS, que previa dar apoio financeiro aos cidadãos que quisessem se fixar em determinadas cidades do interior para trabalhar, atendendo a alguns requisitos.

A intenção era que o programa terminasse no final de 2021. Porém, houve um prolongamento desse prazo e outras mudanças que podem ser uma oportunidade para brasileiros que se enquadram nas condições para se candidatarem.

Na última segunda-feira (6), foi publicada uma portaria que estende o prazo do apoio para trabalhadores em Portugal até 31 de dezembro de 2023, além de alargar a sua abrangência a quem vive fora de Portugal e a situações de teletrabalho.

Nacionalidade Portuguesa (Brasil)

Nacionalidade Portuguesa
39.2K subscribers | 44,604 views | 6 Sept 2022

Morar nas cidades do interior de Portugal nem sempre é uma das primeiras opções dos brasileiros que pretendem se mudar para o país europeu. Mas você sabia que existem cidades incríveis em lugares mais afastados dos grandes centros, com poucos moradores e muita qualidade de vida? Confira nesse vídeo algumas sugestões de cidades para morar no interior de Portugal e quais as vantagens e desvantagens.

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No comment (em tuguês, xarepe)

Variando um pouco, em vez de notícias, conteúdos ou artigos sobre o #AO90, a matéria que hoje aqui reproduzo é uma selecção de comentários a um post sobre a Língua… inglesa. Esta excepção à regra justifica-se não apenas porque os textos do jornalista Pedro Correia, pelo menos aqueles que publica no blogDelito de Opinião“, costumam suscitar alguma febre comentadeira, mas também porque, ou principalmente porque, no caso deste post em concreto, o tema remete para algo que já aqui foi escalpelizado (e devidamente esfolado, espero) por diversas vezes: o purismo linguístico.

Ou seja, aquilo a que o blogger Pedro Correia se refere, aliás fazendo eco de uma corrente de “opinião” cada vez mais grossa — literalmente — e cada vez mais incompreensível, dado ser fundamentalista nos argumentos — basicamente –, é o dever patriótico de verter para Português os estrangeirismos “em geral” e, de entre estes, com particular vigor (ou sanha), os anglicismos.

Trocando em miúdos a provavelmente excessiva adjectivação, trata-se da aborrecidíssima premissa que postula (é favor não confundir, se bem que o tema se preste a inúmeros equívocos, a forma verbal “postula” com  o substantivo “pústula”)  — liquidar aquelas mais do que malévolas expressões idiomáticas inventadas pelo Mafarrico yankee, tais como “hardware” e “software” e “upload” e “download” e assim (não, “assim” não é um dos pecados cámones),  trocando-as pelos respectivos “equivalentes” em Português. Alguns desses puristas diriam “destrocando-as” ou até, quem sabe, “destrocando-zi-as”, mas, faz de conta, ‘isso agora não interessa nada’.

Como também não interessa, pelos vistos[1], que não seja o Inglês, que se impõe naturalmente, porque é a língua franca da actualidade, mas sim o brasileiro, um crioulo de origem portuguesa que se afastou irremediavelmente da sua matriz, a língua que alguns brasileiros “adotivos” tentam impor violentamente a todos os portugueses.

Os “puristas” ralam-se imenso com estrangeirismos, mas pouco ou nada com “usuários” a “subir” e a “baixar”; adoram levar com “futchibóu em gérau” mas ficam furibundos até com sinais de trânsito (o sinal de “stop” deve passar a “párá” em brasileiro, “ô cara”?).

Não confundamos, não pelo menos assim tanto, à portuguesa, alhos com bugalhos: uma coisa é o exagero e o que isso comporta de absurdo (ou de risível), e outra coisa bem diferente, radicalmente diferente, é a eficácia na comunicação, a utilidade — caso a tenha, de facto — do termo ou da expressão original, quantas vezes intraduzível, quantas vezes insubstituível, ou na língua franca ou em qualquer outra; um idiota a armar aos cucos, tentando impressionar (ó patego, olh’ó balão) quem imagina que irá ficar tanto mais impressionado quanto mais ele usar bacoradas em “estrangeiro”, não tem nada a ver com a naturalidade no discurso,  com a fluidez e até com o encadeamento de ideias e o rigor da argumentação que anglicismos (ou francesismos, ou espanholismos ou umbundismos ou quimbundismos) podem facultar, se utilizados com alguma parcimónia e um módico de sensatez.

É o que se passa, aliás, nos diversos níveis da linguagem. Da gíria ao calão, passando pelas linguagens técnicas (informática, médica, farmacêutica, arquitectónica, gráfica) ou artísticas (poética, literária, pictórica, musical), existe todo um universo de planetas linguísticos, cada um deles com sua atmosfera e seus relevos, suas matas e seus desertos, seus mares e continentes, até com o próprio  Sol e satélites únicos…

O pretensiosismo de alguns cretinos merece, quando muito, se não algumas gargalhadas, a mais soturna indiferença. Confundir o que dizem uns tipos armados em carapaus de corrida com a Língua Portuguesa (ou a inglesa, ou a francesa, ou a servo-croata) é não apenas (igualmente) pretensioso, como não comporta qualquer tipo de mérito ou, de resto, seja o que for de válido — muito menos de um ponto de vista meramente linguístico.

Aliás, esta espécie de militância desviante (e enviesada) pelo purismo fanático acaba por ser contraproducente: enquanto alguns se entretêm com suas divagações algo onanistas, retiram enfoque àquilo que verdadeira e exclusivamente está em causa. Desviam as atenções, desmobilizam vontades, inutilizam trabalho, diminuem, reduzem e amesquinham — a troco de nada — a luta contra o único (e real) estrangeirismo que merece combate: o extermínio da Língua Portuguesa pela imposição de uma língua alienígena.

Comentários

Em Portugal dever-se-ia falar português, pelo menos nas nossa instituições. Esta senhora está há tanto tempo em Portugal a ser paga principescamente, deveria ter aulas para falar português e não francês, inglês ou outra língua.
A língua portuguesa é uma das línguas oficiais da UE, e é a mais falada, ou uma das mais faladas no mundo, no continente europeu, americano e africano. [Maria Teresa – ]

Estivesse a senhora em Madrid e ao fim do primeiro mês já “hablava” castelhano. Nós, por cá, somos assim.
Se valorizamos tão pouco a nossa língua e dobramos a cerviz a qualquer estrangeiro, como havemos de exigir que a administradora da “empresa aérea de bandeira” portuguesa fale… português? [Pedro Correia –  ]

Concordo. Mas eu passo-me com os estrangeirismos ( digo) palavras inglesas que se lêem e são usados na linguagem verbal, quando temos um vocabulário riquíssimo e que devia ser usado.  [Maria Araújo – ]

A última moda (já com uns bons anitos) na empresa onde trabalho é recebermos correspondência em inglês de escritórios brasileiros. E, pior ainda, respondemos-lhes também em inglês. Há uns anos, a administração ainda se ralava vagamente com isso, e havia indicação para se responder em português (tal como para os nossos vizinhos espanhóis que nos escreviam em castelhano). Hoje em dia já não ligam, e segue tudo em inglês. É o cúmulo do deixa andar. Em contrapartida, para certos clientes franceses que nos escrevem em inglês, respondemos em francês. Não tenho nada contra, mas a falta de coerência é gritante.
E sim, a hegemonia do inglês americano é geral e irreversível. Infelizmente, o que ajuda à comunicação por um lado, prejudica na aprendizagem e no uso das línguas nacionais pelo outro. Não sou purista, mas esta falta de amor pela língua-mãe (que se nota e agrava cada vez mais, e não só em Portugal, como é óbvio) é triste. No mínimo. [Ana CB – link]

Nem fazia ideia disso, Ana. Brasileiros e portugueses a comunicarem em… “amaricano”.
Mas já quase nada me surpreende. [Pedro Correia –  ]

Nem o Pedro calcula a quantidade de brasileiros que nos perguntam ” Fala portugueis?”. Apetece dar uma resposta torta do género ” Eu falo, mas você não.”  [Maria Dulce Fernandes–  ]
O declínio das outras línguas preocupa-me pouco ou nada, já o declínio da nossa língua (escrita e falada) é gritante. A maior pérola que “apanhei” foi ter enviado um contrato para o Brasil escrito na nossa língua de Camões e para o mesmo ser aceite lá, teve que ser traduzido com certificação, de Português para Português?!! Tudo isto após acordo ortográfico!  [Anónimo – ]
Isso não me espanta. Afinal o “acordo ortográfico” não é Português…!  [Zé Nabo – link]

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Ignorância e apatia

«Esse é um problema da nossa justiça, uma espécie de anedota nacional que permite que um pescador de 79 anos seja detido por causa de uma caixa de sardinhas enquanto outros, hábeis com peixes mais graúdos, continuem a passar entre os pingos da chuva.»
[João Mendes, blog “Aventar”, 2015]

Constituir acervo sobre o #AO90, todo o seu historial, incidências, consequências e, em suma, as mentiras descabeladas de que se sustenta, coloca a quem o faz vários factores que podem — ou poderão ou poderiam, depende de cada qual — condicionar (ou não, de todo) as matérias seleccionadas para o efeito, sobretudo quando são prévia ou simultaneamente comentadas. A adjectivação  implícita pode mesmo revelar-se algo arriscada, literal e figurativamente, apesar de todas as chamadas “garantias” dos mais elementares direitos titulados na Constituição da República. 

A (triste) realidade, com a qual  deparamos inevitavelmente se nos abstrairmos da retórica política, é que as  “garantias” de “liberdade de opinião e informação” não garantem per se coisa alguma — do que resulta, na prática, a absoluta nulidade daquilo que se convencionou designar como “liberdade de pensamento”. Neste pressuposto, todo o capítulo da “lei fundamental” portuguesa, em que teoricamente são consagrados direitos, liberdades e garantias, vale o que vale: por alguma estranha razão, seria talvez mais prudente não quantificar esse valor em vez de lhe atribuir um rotundo zero. 

Vêm estes considerandos a propósito dos reflexos (condicionados) — uma variante de icterícia mental — que já vão provocando na chamada “situação” (acordista, brasileirista, comodista, capitalista ou simplemente conformista) os alertas para o processo de demolição cultural em curso. São simplesmente palavras, na verdade, mas nada existe de mais perigoso para os ditos situacionistas do que traduzirem essas palavras a realidade, relatarem factos, demonstrarem a evidência das (suas deles) golpadas.

Daí, portanto, utilizarem esses tais a arma mais corriqueira do seu gigantesco arsenal de estupidez: a rotulagem. Característica intrínseca e definidora do vazio de ideias, a rotulagem é uma espécie de reflexo pavloviano que visa exclusivamente silenciar qualquer dissidência, ou, por extensão, seja quem for que se atreva a pôr em causa o “pensamento” tido por único ou  vigente.

Rotular algo como “xenofobia” ou alguém como “racista”, nas diversas gradações dos termos e incluindo variantes mais ou menos delirantes (“preconceituoso” ou “reaccionário”, por exemplo), suscita conotações que denotam sobretudo desespero de causa. Ou seja, quem atira insultos assim que uma das suas vacas sagradas é picada fá-lo simplesmente porque não é capaz de articular sequer uma frase inteligível ou elaborar um raciocínio elementar.

Não é nada difícil por conseguinte, adivinhar as “reações” [ʁi.ɐ.ˈsõjʃ] à seguinte conjugação de factores, em termos comparativos.

1 – Entre 1974 e 1978, Portugal (então “continental”) terá acolhido cerca de 700 mil “retornados”, tendo esse facto provocado um naturalíssimo abalo nas estruturas e em todo o complexo tecido social da época, com o impacto do súbito e inusitado aumento populacional daí decorrente e com as inerentes implicações a todos os níveis, habitacional, laboral, empresarial e até cultural.

‘Retornados’ poderão ter sido mais de meio milhão

A estatística oficial diz que Portugal recebeu meio milhão de ‘retornados’ de África, mas o tenente-general na reforma Gonçalves Ribeiro, que coordenou as operações de acolhimento dos desalojados, reconhece que talvez seja “um número subdimensionado”.

(…)

Simultaneamente, a certa altura a lei restringiu os apoios a quem tinha antepassados portugueses, o que excluiu boa parte da população negra. (…) Em entrevista à Lusa, Gonçalves Ribeiro assinalou como o acolhimento das pessoas que deixaram África e vieram para Portugal “surpreendeu, de uma maneira geral, o mundo inteiro, a começar por países europeus, nomeadamente aqueles que também tinham colónias”. Impressionados, perguntavam-lhe: “Como é que um país pequeno como o nosso, em turbulência política, económica e social, pôde, num espaço de tempo relativamente curto, assimilar cerca de seis por cento da população portuguesa?”.

(…)

Olhando para a barra do Tejo, Gonçalves Ribeiro lembra o dia em chegou a Lisboa, no navio “Niassa”, embarcado em Luanda um dia antes da independência de Angola, juntamente com “o derradeiro remanescente da soberania de Portugal” naquela ex-província ultramarina. Mesmo perante a ameaça de “uma série de grupos” envolvidos no PREC, mais preocupados com “o umbigo” do que com o que se passava no Ultramar, a tripulação insistiu em atracar no cais de Alcântara, em Lisboa, onde tinha à espera “pequenas hordas ululantes” que consideravam aqueles últimos militares ao serviço do “império” português “reaccionários, conservadores e fascistas”.

(…)

Compreendendo as reivindicações que os espoliados, nunca indemnizados pelo Estado, mantêm até hoje, considera que “é insustentável esse tipo de expectativa”.

[Transcrição parcial de artigo publicado por “Notícias Ao Minuto” (com texto da agência Brasilusa), Abril 2014]

2 – Ora então, se 700 mil “retornados” — com a mesma Língua e partilhando os valores histórico-culturais e familiares dos portugueses “residentes” — provocaram semelhante abalo social, como é possível compreender que outros tantos 700 mil estrangeiros de nacionalidade brasileira não causem, segundo a “verdade” oficial, o mais ínfimo impacto no mesmíssimo tecido social nacional?

3 – E, quanto a motivações, em que ficamos? Os portugueses residentes nas ex-colónias tiveram de buscar refúgio na sua Pátria — na maioria dos casos possuindo apenas a roupa que traziam no corpo, caso não fosse emprestada –, ou arriscando a viagem para o “torrão” ou arriscando a própria vida, caso ficassem em África. O que tem esse facto a ver, que similitude existe entre as terríveis provações que todos os “retornados” passaram com a imigração de livre e espontânea vontade, em massa (para os padrões portugueses)? O que motivou uns foi a pura e simples sobrevivência. E quanto aos recém-chegados, o que será? 

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Teorema dos assados

«Tento não falar muitas vezes do acordo ortográfico neste blogue, porque estou em crer que, nisto da língua, há muitos temas interessantes e importantes para lá dessa obsessão de tantos, de um e de outro lado da contenda tribal em que a discussão se transformou.» [Marco Neves]

Obsessão“? A sério?
Contenda tribal”? Não. De todo.

Enfim, com algumas reservas, porque nesta matéria devo ser de facto inflexível, aqui fica a transcrição integral de um artigo do (excelente) “Le Monde Diplomatique” sobre a última publicação de Marco Neves, um autor já aqui citado por diversas vezes. Além do texto desse artigo, em forma de entrevista, pode encontrar também, em baixo, uma “playlist” do “podcast” que deu origem ao livro.

À laia de comentário(s), caso queiramos ir “para lá” do significado estrito ou do conteúdo expresso na entrevista, relembremos uma realidade comezinha: a aprendizagem não se restringe à matéria ou ao objecto de estudo; muito se aprende também, e por vezes até mais do que em simples enunciados a granel ou em pilhas de calhamaços, com aquilo que não é jamais referido e, sobretudo, com o que poderá significar a absoluta ausência de referências a uma matéria basilar em determinado contexto discursivo, literário ou… ideológico.

Neste caso, como é por demais evidente, e por maioria de razões tendo em atenção que o tema é a Língua Portuguesa, o que não aparece referido de forma alguma é o #AO90. Nem expressa nem colateral nem subtilmente.

Ora, então, e porquê? Como é possível falar ou escrever sobre a Língua oficial de Angola e Moçambique, ainda para mais quando tanto se fala de “variedade”, sem mencionar uma única vez a manobra tardo-neo-colonialista dos vendidos tugas?

“Contenda tribal”? Isso não é possível. Os trogloditas estão todos do lado do adversário, da seita de vendidos, mercenários e traidores que venderam em 1986 e desde então traficam a Língua Portuguesa e, por inerência, a nossa Cultura, o mais valioso património identitário herdado por todo o povo português.

Para a pancadaria primitiva, é dos outros todo o arsenal de mocas e clavas, ou seja, de mentiras como pedradas, de asneiras violentas a esvoaçar. E é também inteiramente sua a bizarra obsessão (isso sim, é uma obsessão) pelo “gigante”, pelo “país-continente”, pela sonoridade pacóvia dos “230 milhões“.

“Assim ou Assado”. 100 perguntas sobre a língua portuguesa
SAM THEKID E MARCO NEVES
Oficina do Livro, Lisboa, 2022, 128 pp.,
15,50 Euros

Quando se diz a alguém que se é professor de Português ou apenas que se é da das línguas, surgem logo as perguntas sobre como se deve dizer ou escrever. Muitas pessoas querem saber o que é «português correto», dão muita importância a isso ou têm já convicções muito firmes sobre certas «correcções» e «incorreções», que gostam de ver confirmadas. Muita gente exprime opiniões veementes sobre coisas da língua, mesmo sem ter reflectido muito sobre as inúmeras questões que qualquer palavra, expressão ou regra levantam. Como diz Marco Neves, «é mais porque sempre ouvimos alguém dizer que [determinada coisa] não se podia dizer e, pronto, ficámos convencidos de que era assim. É também uma questão de identidade. Uma pessoa tem esta imagem de si de que cumpre esta norma, tem certas ideias sobre essa norma e defende-a, mesmo que implique contrariar a língua real falada pela comunidade». Além disso, acrescenta, «[h]á sempre um pouco de exclusividade social no uso da língua. Há palavras que as pessoas desprezam porque não gostam de quem as usa. Mas também, há outra coisa, há o medo… As pessoas têm medo de que seja tudo possível, lembram-se das regras que aprenderam e acham que agora podemos dizer tudo. Não é assim (antes pelo contrário)» E ele também compreende esse medo: «Há uma insegurança linguística muito marcada num país onde, até há poucas décadas, poucos sabiam escrever. (…) Gostamos muito de dizer “diz-se assim”. “Temos medo, no fundo, do assado.»

Marco Neves é «tradutor, revisor, professor, leitor, conversador e autor», e «pai, com o ofício de contar histórias». Samuel «Sam TheKid» Mira é «músico, produtor, poeta, compositor, leitor, realizador e conversador». São ambos conversadores, portanto, e têm em conjunto um podcast chamado Assim ou assado, em que conversam sobre temas de língua. O livro baseia-se nas 10 primeiras emissões do podcast, de 23 de Setembro de 2021 a 20 de Junho de 2022 (disponíveis em https://tvchelas.com/category/podcast). As perguntas e as respostas não são exactamente 100, porque perguntas e respostas não numeradas escondidas no meio das outras, mas 100, 10 perguntas por podcast, é só uma maneira de organizar a coisa. Quando se faz um livro a partir de conversas, ganha-se algo em organização, precisamente, mas há também algo que se perde: «Se transcrevermos uma conversa, vemos que está cheia de hesitações, de frases que não terminam, de meias palavras. Ao escrever, podemos voltar atrás, corrigir (…). A escrita imita a língua falada, mas é outro bicho.»

Como é natural, é mais Samuel Mira a levantar questões — de facto, a trazer à conversa muitas polémicas actuais sobre «erros» da fala e da escrita — e Marco Neves a dar as respostas. E, como acontece em conversas com alguém que saiba de língua e se recuse a ter uma atitude puramente normativa, a conversa passeia pela história da língua, fonética, sintaxe e semântica, sociolinguística, enfim, todas as áreas do saber linguístico.

Quem procure indicações claras do que deve dizer ou corrigir provavelmente ficará desiludido com o livro. O que se procura aqui é, antes, compreender os fenómenos linguísticos e encarar a língua na sua diversidade de registos, não definir taxativamente o que é «correto» ou «incorrecto» — sem cair, porém, no extremo de aceitar displicentemente que vale tudo o que de facto se diz ou escreve, só porque faz realmente parte da língua.

Também não é livro para especialistas. A obra visa claramente um publica leigo e o especialista poderá achar que algumas afirmações pecam por falta de rigor ou excesso de simplificação. O livro centra-se, antes, em conhecimentos básicos em que é preciso continuar a insistir: se, por um lado, é bom dominar a norma culta («as regras de etiqueta da língua») e usá-la nas situações adequadas, também se deve compreender que não há, muitas vezes, mais justificação para essas regras do que para as formas criticadas que se usam nos registos menos formais — e que o excesso de cuidado com a observância de uma regra aceite acriticamente pode, em várias situações empobrecer, descolorir e artificializar o discurso, seja ele falado ou escrito.

Para quê menosprezar as corruptelas de formas canónicas, quando, afinal, «[q]uase todas as nossas palavras, das mais eruditas às mais simples, têm origem em pequenos erros que foram sendo dados ao longo do tempo?» «No fundo as palavras normais que dicionários sem aparecer como corruptelas, são simplesmente corruptelas antigas que já ninguém sabe que são.» Assim ou assado? Correcto ou corruptela? Fosse a língua como muitos querem que ela seja e falávamos hoje alguma coisa anterior ao proto-indo-europeu… A língua, porém, não se comanda por decretos nem regulamentos gramaticais. «A língua é um conjunto de hábitos que permanecem ao longo de muito tempo. Não há outro critério para determinar o que é a gramática da língua. Podemos ter preferências (e até usá-las), mas essas referências não são a língua. Não é porque a Francisca diz que não gosta daquilo ou porque o Leonardo diz que gosta de outra maneira que vamos mudar a língua — mesmo que essas pessoas tenham muita força.»

coisas que poderiam ser melhoradas, é certo, que podiam ser simplificadas ou mais bem explicadas; e, com uma revisão mais cuidada, evitar-se-iam alguns erros estranhos, como chamar formas finitas às formas não finitas ou conjunções às contracções de preposição e determinante. No geral, porém, é um livro que pode ajudar muita gente a pensar melhor sobre o português, desmontando mitos e falsos erros, e talvez alterando um pouco a maneira de olhar para a língua, em vez de aceitar apenas as atitudes normativas mais comuns, tantas vezes infundadas..

Um livro útil, enfim.

VÍTOR SANTOS LINDEGAARD

[Transcrição integral (via “scanner”) de artigo publicado no jornal (mensal) “Le Monde Diplomatique” – edição portuguesa de Janeiro de 2023. “Links” e destaques meus.]

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Os assimilados do 28.º

assimilation, in anthropology and sociology, the process whereby individuals or groups of differing ethnic heritage are absorbed into the dominant culture of a society. The process of assimilating involves taking on the traits of the dominant culture to such a degree that the assimilating group becomes socially indistinguishable from other members of the society. As such, assimilation is the most extreme form of acculturation. Although assimilation may be compelled through force or undertaken voluntarily, it is rare for a minority group to replace its previous cultural practices completely; religion, food preferences, proxemics (e.g., the physical distance between people in a given social situation), and aesthetics are among the characteristics that tend to be most resistant to change. [Britannica]

O indivíduo que assina os dois textos cujas transcrições se seguem é portador de passaporte de cidadão português mas escreve, tanto no seu blog pessoal como no jornalzuca “Folha de S. Paulo”, numa mistura de cacografia brasileira — em construções frásicas características do Português — com a mais retinta língua brasileira, em todo o “esplendor” da respectiva anarquia gramatical. Por conseguinte, para que se possa aferir da medida do fenómeno de  aculturação a que voluntária e alegremente não apenas o dito indivíduo como alguns outros tugas aderiram, tive o cuidado de desligar o conversor automático antes de, se bem com imenso embaraço e constrangimento, transcrever semelhantes obscenidades anti-vernaculares com igual lastro de pura estupidez.

Este Seu Manoéu, já anteriormente aqui citado, não apenas faz gala da sua “identidade” brasileira como tem por modo de vida impingir entusiasticamente ao tugazinho — que sem qualquer disfarce evidentemente despreza —  a putativa bondade das pretensões tardo-neo-colonialistas do Itamarati e as ainda mais putativas virtudes dos números circenses em que ele próprio se especializou, como vergar a coluna até ao chão, limpar com a língua (aniquilando a Língua) o chão que eles literalmente pisam e fazer vénias infinitas aos “caras”.

Como desfecho do transcrito desfile de imbecilidades “puxa-saquistas”, surge a gravação de uma entrevista deste e de outro brasileiro à SICN. Realmente, trata-se de uma sequência linear: o Manoéu diz no primeiro texto que teve uma conversa com um gajo qualquer sobre a “terrinha”, daí salta para explicar a converseta, urbi et orbi, no pasquimzuca do costume, e por fim o mesmo Manoéu e o tal gajo qualquer (“gajo” em brasileiro é “cara”) são ambos, por mera coincidência, entrevistados por um canal de desinformação brasileirista da tugalândia.

Dessa suposta “entrevista” — pura e dura sessão de propaganda, é claro — ressaltam algumas frases lapidares que ilustram perfeitamente o facto de o processo de colonização inversa estar em curso e que métodos de intoxicação da opinião pública têm sido sistematicamente utlizados pelos media a soldo dos neo-imperialistas.

Tudo dito? Se calhar não. Ficaram desta vez claras, finalmente, as intenções daquela gente? Provavelmente não. E as técnicas de anestesia geral, o papel dos órgãos de intoxicação social, dos “opinion makers”, dos infiltrados, vendidos e traidores? Entendido? Parece que ainda não. 

A inércia, a apatia, o embotamento, a indiferença? Nada? Nem assim?

Bom, será então necessário fazer um desenho. Mais um. Ou vários.

Não faz sentido pensar na promoção do Brasil no exterior sem considerar Portugal

JM-Diogo
Post published: Dezembro 21, 2022
blog “O homem de lá e de cá”

Em uma conversa política e viva com o Paulo Dalla Nora, falávamos sobre a imagem externa do Brasil. Entre os lagostins e a paçoca de amêndoa tentávamos compreender melhor as oportunidades em esta “nova era” de relacionamento entre Portugal e o Brasil.

Será que o governo brasileiro está olhando em todas as possibilidades? Será que já pensou no que fazer com este seu “novo estado brasileiro na Europa“? Portugal fará parte da cabeça da estratégia de promoção da imagem internacional do Brasil?

Quando chegou a sobremesa, depois do vinho do Dão, o Paulo dizia que não fazia nenhum sentido o BNDES estar em Londres — ainda por causa do Brexit, mas que ainda era menos razoável ter agência de promoção externa do Brasil – a APEX – agarrada às burocracias de Bruxelas.

Pensei que a melhor coisa era escrever sobre isso na Folha de S. Paulo.

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