AO90: «absurdas e disparatadas imposições» [Maria do Carmo Vieira, discurso na ACL]

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Published on May 31, 2016

Comunicação de Maria do Carmo Vieira sob o tema “O ensino da língua e da literatura”, que aconteceu na Academia das Ciências de Lisboa a 24 de Maio de 2016.

—-Colóquio “A língua portuguesa nos dias de hoje”—-
O colóquio “A língua portuguesa nos dias de hoje” decorreu nos dias 23, 24 e 25 de Maio, na Academia das Ciências de Lisboa, promovido pelo Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa.

Com esta iniciativa, pretendeu-se envolver todos os interessados e, sobretudo, investigadores, professores, formadores, estudantes, profissionais, que se dedicam a problemas relacionados com a língua portuguesa, numa reflexão conjunta sobre a língua portuguesa como idioma do futuro.

Contra.o.Acordo Ortográfico

«Os falsos pressupostos do Acordo Ortográfico» [“Jornal de Angola”, 31.05.16]

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Os falsos pressupostos do Acordo Ortográfico

Filipe Zau |*
31 de Maio, 2016

Aparentemente, a questão do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), parecia depender apenas da ratificação dos Governos de Angola e Moçambique. Contudo, pouco se fala das resistências ao mesmo por parte das sociedades civis (mormente da brasileira e da portuguesa) que não deixam de ser significativas, como procurarei ilustrar de seguida. Ora vejamos:

–“A reforma ortográfica não enriquece em nada o idioma, mas alguém enriquecerá com ela” (João Ubaldo Ribeiro, Prémio Camões 2008);

“Os populistas que querem acabar com o analfabetismo simplificando a forma de escrever (como se isso tivesse que ver com aprender a ler e compreender o que foi lido) são de facto elitistas fascistóides que promovem a interdição da norma culta, ou seja, dos tesouros literários, a quem tem dificuldade para aprender a ler e entender.” (José Nêumanne Pinto, jornalista e escritor brasileiro);

– “Lamento muito que os portugueses passem a ser obrigados a escrever de forma abstrusa que o acordo [ortográfico] preconiza. Cientificamente, o acordo não se sustenta. Culturalmente, além de perverso, é irresponsável. Mas há vontade política de implementá-lo a qualquer custo. O acordo tampouco interessa à cultura brasileira. Excepto à indústria dos livros didácticos e de referência. Pobre país este no qual muitos políticos e alguns intelectuais acham que a ordem que vem de cima deve ser a ordem das coisas.” (Paulo Franchetti, escritor e crítico literário brasileiro);

– “Línguas são organismos vivos: nascem, crescem e morrem. Fazem-no independentemente de leis e decretos. E, até onde me lembro, jamais deleguei a nenhum parlamentar ou governante poderes para regular o meu quinhão do contrato social linguístico que vigora entre falantes de um idioma. Se dependesse de mim, o acordo [ortográfico] seria denunciado e todos poderíamos continuar a escrever sem a interferência de burocratas de pouco tino.” (Hélio Schwartsman, filósofo e colunista brasileiro);

–“Eu sou totalmente contra [o Acordo Ortográfico]. Radicamente contra. É a mesma coisa de matar a árvore: cortando a sua raiz, a árvore não existe mais.” (Ivan Lins, músico brasileiro);

“As nossas regras ortográficas iam bem, obrigado, cumprindo o seu papel sem ofender ninguém. De repente, sem aviso prévio, o GÁGÁ – Grupo Anónimo de Gramatiqueiros Anónimos – resolveu meter, com licença da palavra, o bedelho. E foi criada a reforma ortográfica. Continuarei a escrever segundo as normas anteriores a este golpe gramatiqueiro.” (Nei Leandro Castro, escritor brasileiro);

– “Quando sai uma reforma dessas, atiram-se para o lixo todos os livros didácticos, para fabricar e vender tudo de novo. É uma reforma supérflua e inútil, provavelmente interesseira. Nunca vi ninguém fazer isso com o inglês, por exemplo, que é cheio de consoantes e vogais que ninguém pronuncia e nem por isso é preciso fazer reformas ortográficas periódicas” (Walnice Nogueira Galvão, escritora e crítica literária brasileira);

– “Acho [o Acordo Ortográfico] absolutamente inútil e improdutivo. A língua é feita pelo povo. Não adianta o Governo querer discipliná-la.” (Carlos Heitor Cony, jornalista e escritor brasileiro);

–“Havia pequenas diferenças que não atrapalhavam a mínima, a mútua, interacção e comunicação de quem falava e escrevia português. Tentaram, uma vez mais, promover esta quase utopia da unificação gráfica de realidades fónicas distintas e deram com os burros n’água. Não só deram com os burros n’água, como pioraram uma coisa que tinha defeitos, mas que não era tão má assim. Isto foi mau para nós, brasileiros, e foi muito mau para os nossos irmãos portugueses.” (Sérgio de Carvalho Pachá, filólogo brasileiro);

– “A reforma ortográfica que se pretende é um pequeno passo (atrás) para os países lusófonos e um grande salto para quem vai lucrar com ela. O assunto me enche, a um só tempo, de indignação e preguiça. Por que estamos sempre a fazer tudo pelo avesso? Não precisamos de reforma nenhuma.” (Reinaldo Azevedo, jornalista brasileiro).

Contrariamente ao que, em alguns fóruns comunitários, nos procuram fazer crer, estas posições não são de pouca monta, nem são isentas de relevância nas sociedades brasileira e portuguesa. Para além dos já conhecidos intelectuais que se opõem ao Acordo e da rejeição da própria Sociedade Portuguesa de Autores, surge, ultimamente, da parte de Portugal, a posição da escritora e professora universitária Teolinda Gersão, que afirma ser um absurdo “defender o indefensável”. Segundo a mesma, um acordo “feito nas nossas costas, e com pareceres negativos de todos os linguistas excepto o do seu ‘pai’, Malaca Casteleiro”.

Através de um texto bastante crítico, Teolinda Gersão refere-se sobretudo aos pressupostos que estão na origem do Acordo e que, segundo ela, não se verificaram. Previa-se que o AO90: simplificasse a ortografia, o que o tornaria bem aceite; uniformizasse a língua portuguesa, em todos as suas variantes e em todos os continentes; tornasse a língua portuguesa mais acessível a estrangeiros, atraindo cada vez mais locutores; aproximasse os países, sobretudo Portugal e o Brasil, em que as variantes da língua portuguesa divergem mais; facilitasse os negócios.

Todavia, quase 30 anos se passaram e o Acordo “levantou e continua a levantar ondas de rejeição de protesto, a maioria da população recusa-o e continua ilegalmente imposto”, afirmou Teolinda Gersão, que concluiu da seguinte forma: “Então este ‘acordo’ falhado serve para quê? Já se discutiu tudo, só falta rasgá-lo.

Curiosamente, a posição angolana face ao AO90, que apresenta como lema: “Rectificar para ratificar”, não se encontra muito afastada do que aqui é apresentado: constatámos que uma maior promoção e difusão da língua portuguesa, nas agências da Nações Unidas, não depende do Acordo mas sim dos recursos a serem disponibilizados para as traduções;independentemente da língua ser a mesma, de país para país (e, num mesmo país, de região para região) as palavras são pronunciadas de forma diversa. Logo, é impossível unificar ortograficamente um idioma a partir das suas variantes linguísticas e ignorar por completo a origem comum das palavras; consequentemente, as muitas excepções à regra, por falta de referências estandardizadas, em vez de facilitarem a ortografia, acabam por dificultá-la ainda mais. Isto, para já não falar na falta de cooperação ortográfica entre a língua portuguesa, enquanto língua neo-latina, com as línguas bantu, crioulísticas e malaio-polinésias.

Apenas para dar resposta a alterações tão pouco significativas e a pressupostos teóricos que se revelaram inconsistentes, há um outro aspecto que se levanta: o custo de importação dessa mudança ortográfica em meios didácticos (e outros), para países que não possuem capacidade editorial suficiente para darem resposta ao volume de manuais indispensáveis a cada aluno e onde a educação primária de seis (ou mais classes do ensino secundário) é gratuita.

(*)Ph. D. em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

[Transcrição de «Os falsos pressupostos do Acordo Ortográfico», “Jornal de Angola”, 31.05.16. Adicionei “links”.]

Words / Wards

“Words (Between The Lines Of Age)” / Wards (bitwin de lines of age)

Someone and someone
were down by the pond
Looking for something
to plant in the lawn.
Out in the fields they
were turning the soil
I’m sitting here hoping
this water will boil
When I look through the windows
and out on the road
They’re bringing me presents
and saying hello.

Singing words, words
between the lines of age.
Words, words
between the lines of age.

If I was a junkman
selling you cars,
Washing your windows
and shining your stars,
Thinking your mind
was my own in a dream
What would you wonder
and how would it seem?
Living in castles
a bit at a time
The King started laughing
and talking in rhyme.

Singing words, words
between the lines of age.
Words, words
between the lines of age.

Someone and someone
were down by de pond
Lukin for somesing
to plant in de lon.
Out in de fields dey
were turning de soil
Im siting here oping
dis wata wil boil
Wen I luk tru de windows
and out on de road
Deyre bringing me presents
and saying elo.

Singing words, words
bitwin de lines of age.
Words, words
bitwin de lines of age.

If I was a junkman
seling yu cars,
Washing yor windows
and shining yor stars,
Sinking yor mind
was my own in a dream
What wud yu wanda
and aw wud it sim?
Living in casels
a bit at a time
De King started lafing
en toking in ryme.

Singing words, words
bitwin de lines of age.
Words, words
bitwin de lines of age

http://www.azlyrics.com/lyrics/neilyoung/wordsbetweenthelinesofage.html

«Nunca simpatizei com o Acordo Ortográfico» [Rui Moreira, “CM”]

CM280516

O Rally e a língua portuguesa

Como sabem, nunca simpatizei com o Acordo Ortográfico. Mesmo estas crónicas são escritas na antiga ordenação, que o jornal “corrige” para a nova. Vem isto a propósito de um comentário colocado no meu Facebook, criticando o facto de a classificativa do Rally de Portugal se chamar “Porto Street Stage”. A crítica sugeria que se passasse “do antigo acordo directamente ao inglês”, ironizando com o facto de se usar um estrangeirismo para designar a prova. Ora, neste caso, a designação é mesmo internacional e faz parte da nomenclatura do Campeonato do Mundo. Uma classificativa numa cidade será, por isso, para a Federação Internacional, uma “Street Stage”, seja no Porto, em Barcelona ou em Buenos Aires.

Ler mais em:

http://www.cmjornal.xl.pt/opiniao/colunistas/rui_moreira/detalhe/educacao_sem_razao.html

Fiz este “post” num computador emprestado. Só por isso aparecem no “print screen” aquelas  horríveis palavras em acordês. Mas corrigi o acordês do texto propriamente dito, é claro.

«Despetalando a flor do Lácio», João Ubaldo Ribeiro (1941-2014)

jribeiro

 

ABL_logoDespetalando a flor do Lácio

João Ubaldo Ribeiro

ABL – Academia Brasileira de Letras

O Globo (RJ) 04/01/2009

 

Despetalando está correto, tenho praticamente certeza. Não acredito que um filólogo desalma­do tenha resolvido que aí vai hífen. Não, não vai, não é des-petalar. “Flor” e “Lácio” continuam, uma sem acento, outro com acento. Portanto, cem por .cento de acerto em meu primeiro título na ortografia nova, brilhei mais uma vez. Isso, contudo, não me aplaca o ner­vosismo. Deve ser a idade, porque já encarei algumas reformas ortográficas nesta curta existência e me saí satisfa­toriamente, mesmo no tempo em que a gente tinha que grafar “tôda” com cir­cunflexo, para distinguir de “toda”, que ninguém sabia o que era, embora, no ver de alguns, fosse uma ave amazônica pouco sociável, ou, segundo outros, uma exortação obscena de origem xavante. Acho que esse ponto nunca será esclarecido (de qualquer forma, cartas de esclarecimento para o editor, por caridade) e constituirá mais uma das graves interrogações, sem cujas respostas minha geração deixará este mundo.

Quando me peguei lendo, a maior parte da livrama de meu pai era na orthographia antiga e havia livros portugueses com suas próprias nor­mas Apesar de leitor fominha que, mesmo sem entender nada, traçava o que aparecesse, levei semanas para compreender que “augmentar” era “aumentar”. Mas me acostumei e sempre transitei bem nessa área, pa­ra alguma coisa eu tinha de levar jei­to. Chefiei redação no tempo da abo­lição do acento diferencial e dedicava grande parte de meu tempo a expli­car que, de então em diante, não se escreveria “voce”, mas “você” mes­mo, como sempre. Foi difícil, muito mais difícil do que qualquer um ima­ginaria, tratando-se de gente instruí­da e, em muitos casos, talentosa.

Uma amiga minha sustenta que tudo vem de trauma da infância e eu tendo a concordar com ela. Sei de traumas profundos, carregados por amigos meus sob o jugo — o que, graças a Deus, não foi meu caso — de professores de português dogmáticos e caturras, que en­tupiam todos de regras quase impene­tráveis e só podiam com isso instilar ódio e temor pela língua e pelo que nela é escrito. Para muitos, os livros são do­lorosas memórias de torturas.

E as reformas sempre levam algu­ma coisa com elas. Já haviam feito is­so com o K, o W e o Y, agora reabi­litados, se bem que nunca de fato o povo os haja banido, aí estando o Kilo, o Waldir e o Ruy, que não me dei­xam mentir e nem ao menos caíram na clandestinidade, mas continua­ram a circular com grande liberdade. Levaram a indicação da subtônica também, aquela que, por exemplo, marcava com acento grave palavras como “precàriamente” e mostrava a existência da subtônica. (“câ”). Mas, segundo eu soube, nem precisamos (precisamos, sim), nem temos condi­ção de exigir que as subtônicas se pronunciem, tudo bem, não estamos à altura.

Por mim, tenho trauma do trema. Ontem me disseram que fui visto com o olhar distante, em frente a este mo­nitor, sacudindo lentamente a cabeça e murmurando “não me conformo, não me conformo”. Não me recordo disso, pode perfeitamente ser uma invencionice, mais uma das anedotas apócrifas que contam sobre nós, celebridades internacionais. Mas a verdade é que não me conformo não somente com a saída do trema e suas temíveis conse­quências (em breve alguém lerá aí “consekências”, assim como chegará o dia em que um simpático alemão que veio morar no Brasil nos perguntará, com sotaque ainda carregado, onde poderá comprar “linghiças”, raio de língua difícil, depois reclamam do alemão). Não posso igualmente aceitar a maneira sem-cerimoniosa com que ele foi humiïhantemente defenestrado, depois de tanto tempo de serviços prestados. Expulso sem nem um relógio folheado a ouro de lembrança, uma plaquinha sequer.

O volume principal de besteiras que vem aí, em nome dessas mudanças, embora esteja longe de restringir-se a ele, deverá ser o despejado pelo enlouquecido movimento do “faïa-se como se escreve”, uma completa piração defendida exaltadamente por muita gente. Gente esquecida, é claro, de que a grafia é uma maneira sempre imperfeita, rudimentar mesmo (os textos gregos clássicos não costumavam ter intervalos entre as palavras e muito menos sinais de pontuação ou acentos, isso tudo veio muito depois), de se tentar congelar em símbolos toda a riqueza da fala, suas inflexões, os gestos, os timbres e os tons que a acompanham, enfim, um universo imensamente amplo para 26 letras e alguns sinais diacríticos. Então, “falar como se escreve” é uma inversão completa, que só pode ter efeitos grotescos, para não dizer maléficos. Alguns já podem ser notados, em suas primeiras manifestações insidiosas. O que mais me mexe com os nervos é o umazero (1×0) ou umaum (1×1) de grande parte dos narradores esportivos. Não sei o que deu neles, praticando a forma mais execranda do “fala como escreve”. O eme do final de “um” está aí para nasalar a vogal, só para isso, tanto assim que, em português antigo, era comum escrever-se com til. Agora não, agora se pronuncia “como se escreve”, e o resultado é que, se deixarem a coisa correr solta, daqui a pouco ninguém distingue mais “um olho”, de “um molho”, “um achado” de “um machado”.

Ouço também, embora com muito menos frekência (esta palavra está errada, foi só vontade de usar o K) o M final de “com”, ser “misturado” à vogal inicial da palavra que a segue. “Com ida marcada para” seria “comida marcada para”, o que poderia render um mal-entendido ou outro. E por aí vai a língua, junto com a vida. Alguém já está ganhando dinheiro com isso. Não somos nós, como de hábito, mas nem por isso deixemos de nos alegrar. Combustível novo na combalida economia do livro. E que serve para mais uma vez mostrar aos eternos descontentes como este governo é reformista.

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[Texto de João Ubaldo Ribeiro publicado no jornal “O Globo” do Rio de Janeiro (Brasil) em 04.01.09; reproduzido no “site” da Academia Brasileira de Letras, da qual o autor era membro. Imagem de topo de “blog De Rocha“.]