“Arranha-nos a mente”

«De qualquer modo, mesmo em relação ao Brasil, não se trata de uma simples questão de ortografia, é o léxico e a sintaxe, que são muito diferentes. Um livro de Portugal, para os brasileiros, que inovam muito em termos linguísticos, soa sempre a arcaico. É muito difícil exportar para lá. E quando um livro em português do Brasil aparece em Portugal, escrito por um autor mais idiossincrático, parece mais estranho do que ler em francês ou inglês. Arranha-nos a mente. O Acordo Ortográfico não facilitou o intercâmbio cultural e não teve qualquer papel positivo nas exportações.» [Francisco Vale, director da editora Relógio d’Água, 8 de Fevereiro de 2018]

A expressão “português do Brasil”, infinitamente repetida, martelada, a ver se cola.

  • «o português do Brasil é diferente do que se fala e escreve em Portugal» [Nuno Pacheco, “Público”, 14.06.23]
    A língua brasileira não é nem tem nada a ver com “português do Brasil”. Esta é uma expressão obsoleta em que apenas alguns persistem, provavelmente à falta de melhor “argumento” para continuarem a fingir que as duas línguas são uma só — a língua univérsáu brasileira. [post “Uirapuru, saci, cocada”]

Não existe “português do Brasil”. Existe a Língua Portuguesa e existe a língua brasileira. Por mais patacoadas que alguns tugas vendidos aos interesses geopolíticos e económicos brasileiros tentem impingir às pessoas normais, o Português é a língua nacional de Portugal e a oficial dos PALOP, enquanto que o brasileiro é a língua nacional da República Federativa do Brasil.

À boleia do inexistente “português do Brasil”, este artigo da CNN-Portugau incide sobre uma nova rapsódia, a turbo-tradução (ou tradução a granel) via estupidez artificial, retomando as já velhas historinhas sobre o “mercado editorial brasileiro” — outra inexistência –, a admiração bacoca pelo “gigante” brasileiro (“ah, e tal, eles são 230 milhões e nós somos só 10 milhões“) e a habitual, geral, nacional tergiversação: nunca, ou muito, muito, muito raramente alguém se atreve a ligar os pontos ou a, ainda que apenas pela rama, relacionar causas e efeitos — nomeadamente entre o #AO90 e as suas desastrosas consequências nos planos educacional, editorial, patrimonial, identitário, histórico e cultural.

Tarefa essa que fica a cargo daquilo que jamais poderá ser substituído: a inteligência natural (passe a redundância).

Fundador da Relógio d’Água acusa BookCover de fazer traduções com Google Translate e ChatGPT. Editora diz que “é mentira”

Francisco Vale diz que esmagadora maioria das traduções da BookCover Editora são assinadas por Lúcia Nogueira, “a tradutora mais eficiente do planeta”, sugerindo que há recurso a ferramentas de tradução automática ou a uma equipa de tradutores que não são identificados. Responsável da BookCover garante que acusações são infundadas, tradutora também

A polémica começa com uma longa publicação no Facebook, assinada por Francisco Vale, editor e fundador da editora Relógio d’Água. O título é auto-explicativo e não deixa dúvidas sobre o tema e as acusações que se seguem: “Traduções por Inteligência Artificial (IA) Chegam a Portugal sem Se Fazer Anunciar”.

Francisco Vale alega que circulam em Portugal “nas livrarias, em feiras do livro ou na companhia de alguns jornais, centenas de milhares de exemplares de clássicos ingleses, franceses, alemães, italianos ou russos traduzidos com recurso a programas de inteligência artificial (IA), do Google Translate ao ChatGPT, passando pelo DeepL”. Mas vai mais longe e identifica mesmo a editora que é a visada nas suas críticas: “Tudo indica que um dos principais agentes desta situação seja a BookCover Editora, que tem publicadas centenas de clássicos de diversas línguas, o mais das vezes com preços de cerca de 5 euros. À primeira vista trata-se de uma oferenda aos leitores — clássicos a preços acessíveis. Mas na verdade a BookCover é uma esfinge com alguns mistérios”.

Segundo Francisco Vale, todos os livros da BookCover, excepto a série ConanDoyle, são traduzidos por Lúcia Nogueira, “a tradutora mais eficiente do planeta” porque, só em 2023, “aparece na ficha técnica como tradutora de dezenas de obras, entre elas ‘Guerra e Paz’, com as suas mais de mil páginas, e outros romances volumosos. Nos últimos dois anos e meio terá traduzido cerca de 80 clássicos, muitos deles extensos, como ‘Os Miseráveis’, ‘E Tudo o Vento Levou’ ou ‘Vinte Mil Léguas Submarinas'”. O fundador da Relógio d’Água aponta: “Qualquer editor sabe que mesmo tradutores a tempo inteiro e com larga experiência são incapazes de traduzir mais de 10 a 15 páginas por dia, o que a incansável Lúcia Nogueira parece fazer antes do pequeno-almoço, seja a partir do inglês, do alemão, do italiano, do cirílico russo e em breve talvez do mandarim ou grego antigo. As fichas técnicas da BookCover não indicam o título original nem a língua de que se traduz, nem o nome de revisores”.

O editor assinala ainda outro problema: Francisco Vale diz que existem nos textos traduzidos “numerosas gralhas, erros ortográficos e gramaticais, confusão de Acordos, termos brasileiros e outras incongruências”, pelo que defende que Lúcia Nogueira fará apenas uma correcção dos erros mais graves de uma tradução automática. “É muitíssimo mais provável que se trate de uma tradutora experimentada em tecnologias de tradução automática, que começaram no Google Translate, evoluindo para a tradução neuronal do DeepL e, mais recentemente, o ChatGPT“, aponta.

“Outra hipótese, menos provável por exigir que se escrevam os textos ao computador, é a de que dirija uma equipa de tradutores/revisores que usam o inglês, o que deveria ser referido e individualizado”, lamenta ainda o fundador da Relógio d’Água, no texto partilhado nas redes sociais.

A resposta da BookCover

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Margaritês para totós

«Margarita Correia é doutora em Linguística Portuguesa pela Universidade de Lisboa, tendo-se especializado nos estudos do léxico. Actualmente é professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora integrada no Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC), onde coordena o grupo de Léxico e Modelização Computacional. Coordenou a realização do Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) e, com José Pedro Ferreira, o Lince – Conversor para a nova ortografia. Garante a coordenação científica do Portal da Língua Portuguesa.» [Webinars da DGEDA]

Desta vez, “nossa” Margarita brinda-nos, fazendo gala da sua habitual pesporrência, com “descobertas” traduzidas em formulações que certamente a autora julgará serem, no mínimo, geniais; como, por exemplo, esta verdadeira pérola de cultura: «a maioria das ofertas de trabalho não são publicadas em inglês, mas nas línguas nacionais de cada país».

‘Margarita Correia, professora auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em co-autoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.’in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/autores/margarita-correia/15/pagina/1 [consultado em 27-06-2023]

Fantástico. Parece que afinal um doutoramento (ou até dois) não é coisa que se deite fora sem mais aquelas, de vez em quando as estopadas (ou estuporadas) horas de biblioteca podem dar um jeitão para, por exemplo, chegar a conclusões assim e conduzir a descobertas que nunca tinham ocorrido a ninguém. Aliás, naquilo que tange à descoberta de coisas absolutamente inéditas, há que reconhecê-lo, estamos perante uma verdadeira autoridade na matéria; até em termos editoriais, digamos, como pode ser aferido pela extraordinária descrição aposta por um pretenso leitor a um dos livrinhos de Margarita, aquele que dá pelo nome de “Dicionários Portugueses“: «Um pequeno livro que nos dá a conhecer o mundo fantástico das colecções de palavras alfabeticamente organizadas.» Lá está, até parece plágio e tudo, este “leitor” copia literalmente — e por antecipação, o que é ainda mais extraordinário — o adjectivo que inicia este parágrafo. É mesmo fantástico, vejamos, isto dos dicionários serem colecções de palavras alfabeticamente organizadas é um achado, nunca semelhante coisa ocorreu a mais ninguém nem hoje em dia nem “aqui há atrasado”.

Não estraguemos, porém, o imenso prazer que seguramente experimentarão os leitores fiéis de Margarita. Até porque, à semelhança do que sempre acontece com os seus (lá está, toca a repetir de novo) fantásticos textos, também por este, em concreto, perpassam, vibrantes de sageza, frementes de acuidade, outras ideias inovadoras, umas percentagens surpreendentes e até mesmo, como brinde, incursões pelos áridos terrenos da inteligência em geral e da artificial em particular.

É ler, é ler. É embasbacar, é embasbacar.

Tanto o incipit como o explicit são do melhorzinho que anda por aí mas, cá p’ra mim, devo confessar, o que mais me toca, salvo seja, é a frase de desfecho: «Dominar várias línguas vale a pena. E continuará a valer.»

Eish. Não fazia a menor ideia destas coisas, ambas as duas em simultâneo. Isto, verdadeiramente, merecia honras de Panteão Nacional. Ou que Marcelo, esse brasileirista declarado, a condecore com a Ordem de Mérito Cultural; pois merece, emparelhando nas pendurezas com a brasileira Janja, outro colosso cultural que o mesmo fulano agraciou.

Mas que maravilha de texto, ó Margarita. Estou varado.

Conhecimento de línguas e mercado de trabalho

Margarita Correia
www.dn.pt, 26.06.23

Foi publicado a 14 de Junho, pela OCDE, o estudo A procura de competências linguísticas no mercado de trabalho europeu: evidência a partir de anúncios de emprego online. O trabalho foi desenvolvido nos 27 países da UE e no Reino Unido (RU), com dados de 2021, e analisa os requisitos de competências linguísticas, com destaque para inglês, alemão, francês, espanhol e chinês. O documento merece leitura atenta, especialmente por parte dos decisores políticos em linguística e educação; aqui apenas poderei partilhar algumas informações de interesse geral.

Uma das principais conclusões é a de que a Europa continua a ser um mercado de trabalho linguisticamente diversificado e que quem procura emprego num determinado país tem de dominar a(s) língua(s) usada(s) nesse contexto. Em média, nos países da UE e no RU, mais de 10% dos anúncios requerem explicitamente competências em línguas que não a(s) do país; em França e na Alemanha, esses valores ascendem a 45% e 32%, respectivamente. Na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Hungria, Itália, Países Baixos, Portugal e Suécia, mais de 15% dos anúncios requerem competências em pelo menos uma língua diferente daquela em que o anúncio é redigido.

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A lição de Cabo Verde

De novo, Cabo Verde toma a iniciativa pela Língua Portuguesa e assim, mais uma vez, humilha as “autoridades” portuguesas em geral e o Governo tuga em particular.

«No caso de Cabo Verde, não sendo a língua portuguesa uma criação nacional, implica saber qual a posição de Portugal enquanto país de origem que (…) não tem classificado a sua língua materna como património

A frase citada contém uma carga política com tal peso que deveria fazer — ao menos — corar de vergonha dois Presidentes da República (Marcelo e Cavaco), quatro primeiros-ministros (Cavaco, Sócrates, Santana Lopes e António Costa), os 209 deputados que aprovaram a RAR 35/2008 e mais uns quantos serviçais do neo-imperialismo brasileiro, desde presidentes de “institutos” vários (Camões, IILP, por exemplo) a reitores (o da Universidade de Coimbra, também por exemplo) ou a paus-mandados e idiotas úteis em “academias”, museus, órgãos de intoxicação social (vulgo, “media”), tachistas por grosso e parasitas da cultura por atacado.

A relevância e a gravidade do facto político evidenciado pela frase citada, exarada em despacho, são por demais evidentes: Portugal — país de origem da Língua — não classificou o Português como património nacional, portanto isso mesmo serviu como argumento para que o parecer oficial tenha sido negativo! A Direcção do Património Imaterial cabo-verdiana (uma entidade que, de resto e como agravante, sequer existe em Portugal) fundamenta a nega à proposta parlamentar na inexistência de posição, por parte do Estado português, sobre aquela mesma matéria.

Lula da Silva “Doutor” Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, Março 2011

Cabo Verde, à semelhança e na senda das posições de Angola, Moçambique e Macau, valoriza a Língua Portuguesa sem tergiversações nem devaneios, tomando posições que estão nos antípodas daquilo que as “autoridades” portuguesas pura e simplesmente não fazem ou, pior ainda, calam e silenciam e escondem porque… desprezam. O Instituto Camões, obedecendo como sempre às ordens do patronato tuga-zuca, nem respondeu à solicitação de ao menos um parecer!

Estas coisas, de mais a mais pela recorrência e porque são sistematicamente omitidas nos “media” (a notícia é um exclusivo da agência BrasiLusa, porque será?), mais parecem fragmentos de um filme de terror.

Ou imagens tiradas de um interminável pesadelo. O que é pior ainda, muito pior, para quem está de olhos abertos…

Parlamento cabo-verdiano devolve proposta para classificar língua portuguesa

“A Semana”, Quinta-feira 22 Junho 2023

 

O parlamento cabo-verdiano não vai discutir a proposta de uma deputada de classificar a língua portuguesa como património imaterial nacional, após parecer negativo da Direcção do Património Imaterial.

De acordo com o parecer da Comissão Especializada de Educação, Cultura, Saúde, Juventude, Desporto e Questões Sociais da Assembleia Nacional de Cabo Verde, de Fevereiro e consultada hoje pela Lusa, o projecto de lei foi devolvido à deputada proponente, para eventual reformulação e “a apresentação de um projecto de lei que institua o Dia Nacional da Língua portuguesa, como acontece noutros países lusófonos”, lê-se.

A comissão entendeu não emitir parecer favorável ao projecto da deputada Mircéa Delgado, face ao parecer negativo do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, através da Direcção do Património Imaterial, e “na ausência de um parecer externo solicitado ao Instituto Camões para fundamentar e fornecer mais elementos de análise”.

No caso de Cabo Verde, não sendo a língua portuguesa uma criação nacional, implica saber qual a posição de Portugal enquanto país de origem que (…) não tem classificado a sua língua materna como património”, lê-se no parecer, que cita um dos argumentos da Direcção do Património Imaterial, que acrescenta que “não há registo de línguas não nativas classificadas como património culturais nacionais”.

A língua enquanto prática ancestral e tradição cultural, reflexo de especificidade local, é condição de existência de outros bens, não constituindo neste caso bem a ser classificado como património cultural imaterial, salvaguardando as línguas nativas, em perigo e que careçam de protecção, o que não é o caso”, alega ainda aquela direcção, citada no parecer da mesma comissão.

A Lusa noticiou em 20 de Fevereiro que uma deputada do Movimento para a Democracia (MpD, no poder) apresentou ao parlamento cabo-verdiano um projecto de lei para classificar a língua portuguesa como património cultural imaterial, por ser “parte integrante e estruturante” da história do arquipélago.

A língua portuguesa é parte integrante e estruturante da história, da sociedade e da identidade da nação cabo-verdiana, lê-se na proposta apresentada à Assembleia Nacional pela deputada Mircéa Delgado.

O ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, recordou hoje, a propósito deste caso, que “o poder de classificar qualquer bem ou item como património cultural” é daquele ministério, através do Instituto do Património Cultural (IPC).

A lei-quadro é clara. O poder de classificar qualquer bem ou item como património cultural é do Ministério da Cultura e da instituição que tem essa competência que é o IPC. Nem os deputados nacionais, nem nenhuma outra instituição pode entrar na linha de acção do IPC”, afirmou.

Se a Assembleia Nacional quiser classificar o português como património imaterial terá de mudar a lei e avocar o poder que agora está no IPC de classificar, de inventariar e criar todo o processo necessário para ter uma língua como património imaterial nacional”, acrescentou Abraão Vicente.

No texto da proposta agora devolvida é referido que o “português foi a primeira língua que ecoou no solo das ilhas (1460), trazido pelos marinheiros e missionários portugueses no seu processo das descobertas e da expansão marítima”, sendo “uma das línguas mais faladas do mundo” e língua oficial dos nove países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O nosso crioulo, língua cabo-verdiana, origina-se na língua portuguesa e tem nela a sua matriz de organização quer semântica, quer gramatical e elocutória, que com o aumento da escolarização tem, cada vez mais, aproximado os falantes da língua cabo-verdiana do português falado e escrito, actualmente”, acrescenta a proposta, que tem também em Mircéa Delgado a única subscritora, conforme prevê o regimento da Assembleia Nacional.

Recorda igualmente que “todo o documental escrito”, quer seja “histórico, quer seja económico, quer seja social, quer ainda literário”, encontra-se “exarado e versado quase completamente em língua portuguesa” e que o “português é a língua de comunicação internacional do Estado de Cabo Verde, afirmando-se assim como o seu elo mais forte e a razão pilar da sua existência enquanto comunidade”.

O crioulo cabo-verdiano é a língua materna em Cabo Verde, embora com variantes entre algumas ilhas, e nos últimos anos intensificou-se o movimento da sociedade civil a pressionar a sua elevação a língua oficial.

O artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, define apenas o português como língua oficial, mas também prevê que o Estado deve promover “as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa“.

Um grupo de quase 200 personalidades cabo-verdianas lançou em 2022 uma petição também nesse sentido e pediu apoio do chefe de Estado, José Maria Neves, para a promoção da língua, anunciando que pretende criar uma associação em prol do crioulo, não só para a sua oficialização como língua nacional, como para ensino e padronização.

“A Semana” com Lusa

[Transcrição integral, incluindo destaques a “bold”. Cacografia brasileira (da agência BrasiLusa) corrigida automaticamente. Acrescentei destaques, sublinhados e “links” (a verde).]

As “contas certas” da desinformação

Este assunto já foi por diversas vezes abordado aqui, sempre na medida em que tem tudo a ver ou relaciona-se umbilicalmente com o neocolonialismo linguístico invertido (#AO90) a que todos vamos assistindo com indisfarçável horror.

Traduzindo com simplicidade um conceito extremamente complexo de cariz político — daí o aproveitamento demagógico e caceteiro que dele fazem os extremistas de direita e de esquerda –, trata-se de (pelo menos) indagar qual o volume total do contingente brasileiro já instalado em Portugal e de que forma as instâncias governamentais portuguesas escondem ou mastigam os números respeitantes a essa realidade.

E porquê, é claro. Porque fazem tal coisa? Haverá de facto uma relação directa — ou de causa e consequência — entre a “ponte aérea” em curso e a imposição manu militari da cacografia brasileira? Haverá mesmo um nexo de causalidade, um continuum (planeado até ao mais ínfimo detalhe, será?) entre o #AO90, a invenção da CPLP (1996), o “Estatuto de Igualdade” (ano 2000) e o “Acordo de Mobilidade” de 2021?

Tal encadeamento de etapas suscita desde logo uma série de questões cujas respostas os diversos órgãos de poder se limitam a ignorar ou, se encostados à parede — o que muito raramente sucede –, a tartamudear uns lugares-comuns, as frasezinhas ocas da ordem, a liturgia da mentira devota; como, por exemplo e um pouco ao calhas, estas poucas perguntinhas, só 11:

  1. – existe alguma espécie de reciprocidade, isto é, qualquer cidadão português pode emigrar para o Brasil à vontade (ou à vontadinha)?
  2. – se existe essa reciprocidade, como é possível entender que exista “igualdade” num estatuto quando uma das partes tem 210 milhões e a outra apenas 10 milhões de habitantes?
  3. – os documentos de um cidadão português são automaticamente válidos no Brasil?
  4. – sucede com a carta de condução de um português lá o mesmo que sucede com a “licença para dirigir” de um brasileiro cá, ou seja, para eles vale mas para um suíço, por exemplo, não vale?
  5. – existe no Brasil, à semelhança daquilo que se passa em Portugal, alguma ou algumas entidades e/ou organizações e/ou mecanismos (financeiros ou outros) para o acolhimento de portugueses?
  6. – a cidadania brasileira é reciprocamente concedida a cidadãos portugueses, nos mesmos termos, com as mesmas condições e facilidades?
  7. – existe algum serviço brasileiro online, como o português (ou, se calhar, até melhor) para tornar “mais expeditos” os processos burocráticos envolvidos nos processos de legalização, cidadania, estabelecimento, criação de empresas, licenciamento, alojamento e reunião familiar?
  8. – sabendo que o “estatuto de igualdade” permite a qualquer cidadão brasileiro obter concomitantemente a cidadania europeia, podendo assim emigrar de Portugal para qualquer país europeu, em que medida beneficiam os portugueses no Brasil desse tipo de prerrogativas?
  9. – os naturais dos PALOP, nos termos da CPLB, detêm automaticamente no Brasil os mesmos direitos dos cidadãos brasileiros?
  10. – os estudantes portugueses no Brasil podem escrever — por exemplo, nos testes e exames — em Português ou são penalizados se não escreverem em língua brasileira?
  11. Existem protocolos de sentido inverso entre o Estado português e as universidades brasileiras (contingentes, “facilidades”, bolsas, rácios de aprovação etc.)?

Enfim, sejamos comedidos, não valerá certamente a pena chegar à dúzia; quando não, como sucede com as cerejas, a lista de perguntas arrisca-se a ficar ligeiramente aborrecida.

Este intróito, que aliás já vai longo, serve apenas de enquadramento à situação que de novo aqui se denuncia: a desinformação oficial.

Exacto, desinformação, e sim, oficial. Aquilo que, passando por “dados públicos”, provém dos mais diversos gabinetes governamentais — e respectivas filiais em entidades avulsas — está sempre ou “muito atrasado” ou… muito parado. Ou então, variante ainda mais frequente, esses dados estão por sistema muito… marados. Não é mera coincidência que, sob os auspícios (isto é, cumprindo alegremente ordens) da UE, estejam neste momento bastante adiantados os “mecanismos” de “detecção” (ou seja, de escolha selectiva) daquilo a que os DDT chamam “desinformação”; o que pretendem, evidentemente, é deter eles mesmos o exclusivo da desinformação e ainda, como efeito secundário — mas ainda mais conveniente para os seus interesses — para poderem silenciar “legalmente” qualquer voz dissonante e assim eliminar toda a verdade não-oficial, ou seja, in short, toda a verdade.

Este é (mais) um caso flagrantíssimo de tal mecanismo. Em apenas oito dias, 10.256 brasileiros que tinham comprado casa em Portugal venderam-nas, regressaram a penates e levaram com eles cerca de 1.250.000 parentes.

O título da “notícia” induz em erro.
No corpo da dita diz-se o seguinte:
“Mais de 250 mil brasileiros já compraram casa no nosso país, o que representa cerca de 15% das vendas em 2023.”
Portanto, no total, o contingente será de pelo menos 1 milhão. Provavelmente, 1 milhão e meio. 15%. Confere.


Em 15 de Junho, há 8 dias, este mesmo diário dizia o seguinte: 《Mais de 250 mil brasileiros já compraram casa no nosso país, o que representa cerca de 15% das vendas em 2023.》https://www.diarioimobiliario.pt/Mais-de-250-mil-brasileiros-escolheram-o-nosso-pais-para-viver
Agora, 23 de Junho, diz isto: 《Segundo o SEF, os brasileiros mantêm-se como a principal comunidade estrangeira residente no país, representando no ano passado 30,7% do total, e foi também a comunidade oriunda do Brasil a que mais cresceu em 2022 (17,1%) face a 2021, ao totalizarem 239.744.》https://www.diarioimobiliario.pt/Quase-800-mil-estrangeiros-vivem-em-Portugal-e-30-sao-brasileiros
Ou seja: 250000 compram casa. A uma média de 4 pessoas por família (casal e dois filhos ou pais ou parentes ou hóspedes) totalizam cerca de um milhão.
Mas o SEF diz que, NO TOTAL, não chegam sequer ao número dos que compraram casa.
Quem pretende o SEF, logo, o governo, enganar? E porquê?

Não perguntar ofende

Associação Portuguesa de Linguística
Faculdade de Letras de Lisboa
Alameda da Universidade
1600-214 – Lisboa Portugal

 

Ex.ma Senhora
Dr.ª Simonetta Luz Afonso
Presidente do Instituto Camões

É com grande agrado e sentido de responsabilidade que a Associação Portuguesa de Linguística responde à consulta da iniciativa de V. Ex.ª sobre as consequências da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.

Por razões de política linguística, a Associação Portuguesa de Linguística considera que:

1. Não tendo o Acordo Ortográfico de 1990, contrariamente ao que acontecera com as propostas de 1986 e de 1988, sido objecto de análise técnica rigorosa por parte da comunidade científica, parece-nos prudente suspender quaisquer actos que tornem irreversível a sua aprovação pelo Governo Português, nomeadamente, os que conduzam à ratificação dos dois Protocolos Modificativos de 1998 e de 2004.

2. Na verdade, a adesão ao Protocolo Modificativo de 2004 criaria uma situação de não uniformização da ortografia da língua portuguesa entre Portugal e Angola e Moçambique, países cujo número de falantes do português como língua materna e como língua segunda tem crescido notavelmente, e nas relações com os quais a questão ortográfica nunca se colocou.

(…)
[2 páginas]
(…)

Em conclusão, por todas as razões acima aduzidas, a Associação Portuguesa de Linguística recomenda:

1. Que seja de imediato suspenso o processo em curso, até uma reavaliação, em termos de política geral, linguística, cultural e educativa, das vantagens e custos da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990.
2. Que, a manter-se o texto actual do Acordo, Portugal não ratifique o Segundo Protocolo Modificativo.

Inês Duarte
Presidente da Associação Portuguesa de Linguística

Dezembro de 2005


O que está em cima foi transcrito do parecer da Associação Portuguesa de Linguística (APL) sobre o #AO90 que deu entrada na Assembleia da República em Dezembro de 2005, no âmbito das consultas que levariam à futura aprovação da RAR 35/2008 e, por via desta, a aprovação parlamentar da entrada em vigor daquela golpada política.

O que está em baixo foi transcrito do parecer da mesma APL sobre o mesmo assunto em Maio de 2017. Também este outro parecer da mesma entidade seguiu tramitação idêntica à do primeiro, sendo remetido ao Grupo de Trabalho para a Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico (GTAIAO), mas desta vez a pretexto da “discussão” de uma das petições apresentadas ao Parlamento sobre ou a pretexto do “acordo”.

É facílimo identificar, desde logo, a seguinte contradição: no primeiro parecer, a APL declarou-se frontalmente contra o estropício mas, 12 anos depois, a mesmíssima APL manifestava-se claramente a favor da “adoção” da cacografia brasileira. Portanto, resumindo, a APL sempre foi contra mas agora é a favor.

E então porquê? O que explicará tão radical mudança de “opinião”?

Talvez confrontando certos pormenores presentes nos dois documentos possamos deduzir desde logo algumas conclusões:

  1. – Em 2005, a sede da APL era na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
    – Em 2017, a sede da APL era (e parece continuar a ser) nas instalações da Universidade Aberta, também em Lisboa.
  2. – Em 2005, a directora da APL era Inês Duarte, do Centro de Línguística da Universidade de Lisboa, o CLUL, que também se declarou contra o #AO90.
    – Em 2017, a directora da APL era (e se calhar ainda é) Isabel Falé, da Universidade Aberta.
  3. – Em 2005, o “site” da APL estava em http://apl.org.pt (ver em Internet Archive).
    – Desde 2016, o “site” da APL está em https://apl.pt/ e, é claro, agora redigido com a dita cacografia brasileira.

Estes “pormenores” não apenas passaram despercebidos a toda a gente, como — ou principalmente — ninguém, à excepção dos envolvidos, sequer deu conta de tão radical mudança de posição por parte daquela Associação. Que se saiba, ao contrário do que sucedeu, por exemplo, na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) ou na WordPress Portugal, não existiu qualquer tipo de plebiscito ou sequer uma sondagem de opinião entre os membros da APL e, por conseguinte, não será de todo abusivo presumir que a decisão de fazer uma inversão total — passando de um NÃO rotundo a um SIM em surdina — coube inteiramente à direcção (caso seja colegial) ou, hipótese mais provável, foi apenas uma decisão individual da nova directora… que assim “assina” em nome de todos os linguistas portugueses e todos os demais profissionais ligado à área da linguística, especializados ou não, associados ou não.

Não consta em lado algum a mais ínfima nota ou sequer uma referência, ainda que vaga, a coisa alguma do que aqui e agora se expõe. O habitual, portanto, ou mais do mesmo, isto é, nada: silêncio absoluto. Nem uma simples confrontação de factos e responsáveis, nem um só cruzamento de dados e datas ou documentos.

Coisas deste género, mudanças de “opinião” assim tão extremas, bem, magicarão de imediato os acordistas em geral e os brasileiristas em particular, toca a varrê-las para debaixo do tapete propagandístico, não vá algum atrevido começar a fazer perguntas aborrecidas atrapalhando a narrativa oficial e até mesmo, que isto ele nunca se sabe, comprometendo aquelas coisinhas que, ao estilo dos segredos de Estado, é conveniente o “bom povo que lavas no rio” não saber — para seu próprio bem, está claro.

Ora então, vamos a isso, as tais perguntas. Só algumas.

  1. Quando, como e porquê ocorreram a mudança de sede e a troca de directora?
  2. A direcção da APL é unipessoal, colegial ou “funciona” de outra forma?
  3. Quando e porquê mudou a APL a sua posição sobre o #AO90 de frontalmente contra para decididamente a favor?
  4. Houve, desde 2015, alguma espécie de consulta aos associados?
  5. Se houve, onde estão publicados os resultados dessa consulta?
  6. Se não houve consulta, a decisão foi tomada por quem e com base em quê?
  7. Foi dado conhecimento aos associados de que a posição de cada um deles sobre o #AO90 passava a ser aquela que a APL (ou a directora da APL) determinava?

(…)
[4 páginas]
(…)

Concluindo, a Associação Portuguesa de Linguística recomenda que:
1. o Acordo Ortográfico de 1990 se mantenha, tendo em consideração o impacto negativo em termos de política geral, linguística e educativa que uma reversão da sua aplicação implicaria neste momento;
2. seja desenvolvida uma sensibilização séria e responsável sobre as regras do Acordo Ortográfico de 1990 junto da população, dirimindo argumentos populares falaciosos e falsos, nomeadamente, de submissão linguística a outras variedades e de empobrecimento da língua enquanto património cultural, que abra caminho para a sua aceitação e para a difusão do seu uso com normalidade;
3. seja publicitada devidamente junto da população a existência do Vocabulário Ortográfico Comum da língua portuguesa, uma vez que constitui o recurso oficial de referência escrita do português.

Isabel Falé
Presidente da Associação Portuguesa de Linguística
Maio de 2017