«Réu condenado a pena suspensa» [Duarte Afonso, “JM Madeira”]

JM_logoRéu condenado a pena suspensa

 

É frequente lermos títulos de notícias do seguinte teor:
“Réu condenado a pena suspensa”.

Só depois de lermos a notícia, ou parte, é que ficamos a saber a realidade da mesma.

Se um réu for condenado a 2 anos de prisão e a pena ficar suspensa não a cumpre, a não ser que cometa algum delito na vigência da mesma. A pena suspensa é um alívio, uma oportunidade para o réu e não uma condenação. Ninguém é condenado a pena suspensa, mas sim a prisão ou multa.

Antes do Acordo Ortográfico não se escreviam disparates como estes. Agora é normal. Isto é o português moderno fruto do Acordo, que permite escrever de qualquer maneira em nome da unificação ortográfica.

A palavra Pára (verbo) deixou de ter acento e não se distingue da (preposição) Para. Mas, a palavra Pôr (verbo) mantém obrigatoriamente acento para se distinguir da (preposição) Por. (Base VIII, 3).

Vejamos um pequeno exemplo sem o Acordo: “Onde Pára e Para onde vai o dinheiro?”

Com o Acordo: “Onde Para e Para onde vai o dinheiro.” Neste exemplo não se distingue o verbo da preposição.

A finalidade do Acordo era unificar a ortografia; mas, os seus autores introduziram no mesmo a dupla grafia, casos de “ facto e fato, dicção e dição, ceptro e cetro, corrupto e corruto, subtil e sutil, recepção e receção etc. (Base IV).

A dupla grafia não une, afasta. A consagração da grafia dupla reflecte a impossibilidade efectiva e incontornável de unificação. Os autores do Acordo deviam saber isso e reflectir nestes disparates.

Vejamos um exemplo de unificação. Um aluno pode escrever o seguinte: “De facto o espectador que estava na recepção do sumptuoso hotel era corrupto”.

No mesmo texto o colega ao lado pode escrever: “De fato o espetador que estava na receção do suntuoso hotel era corruto”.

Antes do Acordo escrevia-se só de uma forma. Agora escreve-se de várias para unificar a nossa língua.

Face ao mesmo, cor-de-rosa tem hífen, mas cor-de-vinho não tem. Fim-de semana deixou de ter. Mas, cor-de-rosa e arco-da-velha mantêm o hífen com o argumento de serem consagrados pelo uso. (Base XV, 6).

Fim-de-semana não é consagrado pelo uso? Como é que chegaram a esta ignorante conclusão? Com moeda ao ar?

[Duarte Afonso, “Réu condenado a pena suspensa”, JM Madeira, 28.11.15. Acrescentei “links”.]

«O direito à ortografia nacional» [Artur Anselmo, “Jornal de Letras”]

Anselmo«É tempo de se abandonarem utopias estéreis e de se respeitar o direito à ortografia nacional, em Portugal, no Brasil ou em qualquer outro país lusófono onde a marca da autonomia cultural esteja claramente presente no uso da língua»

Partidários e opositores do chamado Acordo Ortográfico de 1990, posto em vigor desde 2011, juntaram-se recentemente na Academia das Ciências de Lisboa para participarem no colóquio Ortografia e bom-senso*. Foi, se a memória não me falha, a primeira vez em que, num clima de tolerância e de respeito mútuos, personalidades portuguesas e brasileiras, de grande prestígio na área das ciências filológicas, discutiram com elevação um problema que toca a todos os falantes da língua portuguesa.

Por coincidência, na mesma semana do colóquio, uma reunião de trabalho juntou, também na Academia das Ciências, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e da sua congénere portuguesa, com o objectivo de se criar uma base de entendimento profissional capaz de ultrapassar divergências lexicais, semânticas e sintácticas que ocorrem nos textos jurídicos de ambos os países.

Em ambas as ocasiões tive oportunidade de recordar o ponto-de-vista de quantos – como eu próprio – defendem sem hesitação o direito, inalienável e irrestrito, à Ortografia Nacional, com base em princípios cada vez mais pertinentes, reflectidos no uso da língua, tais como a mentalidade, a educação, o estilo de vida, as relações sociais e os valores éticos da Nação. A ortografia, ao tentar reproduzir em signos alfabéticos os sons da oralidade, deve, antes de mais, respeitar as normas ortoépicas da comunidade falante – e se digo, no plural, “normas ortoépicas” é porque estou consciente das variedades dialectais que ocorrem em qualquer sistema de signos (domínio próprio da fonologia). As línguas, ao contrário do que defendia, por exemplo, o linguista soviético Nikolai Marr – aliás, com a oposição das autoridades comunistas, incluindo o próprio Estaline –, não podem ser analisadas apenas com superstruturas e fenómenos de classe, mas antes como veículos de comunicação adaptados à utilização social que deles se faz.

Quando as regras da ortografia não levam em consideração as particularidades fonéticas de uma determinada comunidade falante, não apenas no momento da fala (visão sincrónica) mas também, em certos casos, ao longo da sua história verbal (visão diacrónica), prestam um mau serviço à Nação, que, por desatenção ou ignorância, põe à disposição do Estado (ou da Nação politicamente organizada) instrumentos de trabalho – como os chamados “Acordos Ortográficos” – redigidos de costas voltadas para a realidade social. Todo o cuidado é pouco nesta matéria, razão por que, na dúvida, a Nação tem o direito de se interrogar acerca da utilidade dos acordos supranacionais que tocam na língua – e, mais ainda, quando esta serve comunidades cuja autonomia cultural é indiscutível.

No caso particular da língua portuguesa falada no continente europeu, no Brasil, em África ou na Ásia, vale a pena lembrar as profundas alterações políticas que se verificaram nos últimos anos. Do país politicamente independente mas ainda culturalmente ancilar, como era o Brasil em 1945, quando se assinou o chamado Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro; desse país que então tinha 40 milhões de habitantes e que hoje tem perto de 200 milhões, passou-se, já no século XXI, a urna super-potência, dita “emergente”, é certo, mas claramente na vanguarda das nações mais avançadas do mundo. Em contrapartida, sem prejuízo de Angola e Moçambique virem a seguir caminho semelhante ao do Brasil, os restantes países lusófonos de África não estão neste momento em condições de utilizarem a língua portuguesa como verdadeiros idiomas nacionais. (Deixo propositadamente de fora o caso de Cabo Verde, país independente já dotado de língua própria, em larga medida criada a partir do português pidginizado.)

«Unidade idiomática do português europeu
muito maltratada»

Seja qual for a evolução do paradigma linguístico de Angola e Moçambique, afigura-se oportuno recordar o essencial da polémica sobre a língua portuguesa utilizada no Brasil, à qual, em tempos, uns chamaram o “português do Brasil”, outros o “português luso-brasileiro” e outros até a “língua brasileira”. Da vasta bibliografia sobre o assunto, sirvo-me apenas – por ordem cronológica – dos seguintes ensaios: A questão da língua brasileira (1957), de Herbert Parentes Fortes; A língua portuguesa e a unidade do Brasil (1958), de Barbosa Lima Sobrinho; O problema sócio-biológico da língua brasileira (1963), de Altamirando Requião; e o já hoje clássico Língua portuguesa e realidade brasileira (1968), de Celso Cunha.

Que concluir da leitura destes trabalhos? Antes de mais, a consciência comum do direito da Nação Brasileira a uma fala e uma escrita que, cada vez mais afastadas do padrão europeu do português, têm todo o direito a constituírem-se como ramos autónomos da mesma língua. Em segundo lugar, posições diferentes quanto ao futuro do português do Brasil: para Barbosa Lima Sobrinho e para Celso Cunha, tendência para se aceitarem como naturais os fenómenos de independência linguística da fala brasileira, mas sem se pôr em causa a chamada “unidade e diversidade” da língua comum; para Herbert Parentes e Altamirando Requião, a inevitável projecção do idioma falado no Brasil como uma nova língua, derivada em larga medida do português. Falando na Universidade de Coimbra, perante a plateia onde havia reputados filólogos e linguistas de Portugal e do Brasil, afirmava Requião: «Em que pese o muito que amamos Portugal, pelo muito que lhe devemos por sua obra admirável de colonização e de cristianização, de que promanou, floresceu e se engrandeceu a maior Nação da América Latina, o facto é que somos uma Nação soberana, e todo dialecto de Nação independente é língua.» (Actas do 5.° Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. 3.°, p. 405.)

Entretanto, é curioso notar que as particularidades ortográficas não mereceram atenção especial dos quatro especialistas, porque – convém recordá-lo – há 50 anos era pacífica a ideia de que a ortografia devia seguir o seu caminho natural, em consonância com as tradições nacionais de Portugal e do Brasil: os portugueses aceitando o chamado Acordo de 1945 e os brasileiros regressando pacificamente ao seu próprio Vocabulário de 1943, depois de a maioria dos deputados no Congresso ter rasgado a famigerada Convenção assinada com Portugal no tempo de Getúlio Vargas, falecido tragicamente em 1954. Sunt lacrymae rerum…

À distância de meio século do livro de Celso Cunha, cuja memória é indistintamente venerada por filólogos portugueses e brasileiros, é particularmente actual o recado que as suas palavras nos transmitem: «Qualquer acção que vise à unidade idiomática deve processar-se com absoluto respeito às variedades nacionais», já que – acrescenta – «o português de Portugal e do Brasil têm, assim, necessariamente, que ser considerados em nível de norma» (p. 81). Ora, a verdade é que a unidade idiomática do português europeu (ou norma, na terminologia de Coseriu) saiu muito maltratada da resolução da Assembleia da República que, em 1990, assentou as bases do chamado Acordo Ortográfico, alegadamente em vigor em cinco países lusófonos. Salvo melhor opinião, cometeram-se, sem utilidade para ninguém, os mesmos erros que estiveram na base da recusa, pelo Congresso Federal Brasileiro, do Acordo de 1945. Curiosamente, o período mais pacífico da guerrilha ortográfica foi o que ocorreu entre 1955 (ano da “insubordinação” do Congresso Brasileiro) e o de 2011, quando os Governos de Portugal e do Brasil decretaram a “unificação”. Meditem nisto os interessados.

É tempo de se abandonarem utopias estéreis e de se respeitar o direito à ortografia nacional, em Portugal, no Brasil ou em qualquer outro país lusófono onde a marca da autonomia cultural esteja claramente presente no uso da língua. Deixemos respirar a diferença.

Artur Anselmo

[Transcrição integral (incluindo “links”) de reprodução publicada no “Ciberdúvidas“. O artigo original, da autoria de Artur Anselmo Soares, foi publicado no “Jornal de Letras” n.º 1178, de 25.11.15. Imagem retirada do “site” da ACL.]

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Uma história (muito) mal contada [XXV]

A verdade contra a força

«Permita-se-me destacar uma fotografia que sem possuir a qualidade técnica necessária passou a ser a minha preferida: trata-se dessa em que (no lintel de uma porta) aparece a escultura da coroa franqueada a um lado pela figura ameaçante de um homem de espada na mão e, do outro lado, uma mulher desarmada e de atitude franca e relaxada. O Deputado João Oliveira disse que é a representação da força contra a verdade e eu fiquei então (e fico agora de novo) a pensar que afinal é disso que a ILC pretende: a verdade (a lógica, o bom senso…) contra a força (dos interesses económicos).

Feliz pela experiência, grata pela amabilidade dos deputados e confiante na vitória da verdade seria o resumo do meu estado de espírito na hora de avaliar a reunião, a visita inesquecível.»
Rocío Ramos, 14 de Janeiro de 2013.

Foi nesta nossa segunda “visita” ao palácio de S. Bento, como vimos, que a 7 de Dezembro de 2012 surgiu a ideia da criação de um grupo de trabalho parlamentar sobre o “acordo ortográfico”.

Uns meses antes já tínhamos sido recebidos no Parlamento, mas em circunstâncias completamente diferentes. Todos fizemos o possível, naquele 12 de Julho, mas muito pouco ou absolutamente nada se pode fazer diante do impossível… que é entrar num jogo em que todas as cartas estão marcadas e todos os trunfos estão nas mãos dos adversários: se aquela Comissão parlamentar, como aliás qualquer outra, é constituída por “quotas” segundo a distribuição de lugares no hemiciclo, e se deparamos com deputados acordistas em maioria, bem, então torna-se “um bocadinho” difícil conseguirmos fazer passar a mensagem, falar para quem não quer ouvir, explicar a quem não quer entender, fazer ver a quem está com os olhos vendados.

Porém, se estarmos numa simples audiência na CECC* terá sido talvez coisa pouca, então cousa totalmente diferente seria participarmos num Grupo de Trabalho sobre o AO90. Em 11.01.13, o deputado Miguel Tiago anunciava na sua página do Facebook a formação do GTAO.

A 23 de Janeiro, é publicado o respectivo anúncio formal. E apenas uma semana depois, isto é, no dia 31 desse mês, a ILC-AO foi a primeira entidade a ser recebida no Parlamento em audiência.

Sabíamos antecipadamente, pois claro, qual era o “elenco” de deputados no grupo: Carlos Enes (PSD*), Rosa Arezes (PSD), Gabriela Canavilhas (PS*), Michael Seufert(1) (CDS-PP*), Luís Fazenda (BE*) e Miguel Tiago (PCP*).

Três deputados militantemente acordistas (Enes, Canavilhas, Fazenda), uma deputada (Arezes) sem posição clara e apenas dois (Tiago e Seufert) declaradamente contra o AO90. As perspectivas não eram à partida boas, portanto, muito longe disso.

Aliás, a própria designação do grupo também não augurava nada de bom: Grupo de Trabalho para o Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico.

“Acompanhamento da Aplicação”? Mas qual ou que “aplicação”? E “acompanhamento” de quê ou para quê?

Se o objecto, o objectivo, a finalidade era apenas e só “acompanhar a aplicação” do AO, então isso excluiria tácita e liminarmente qualquer outra hipótese, via de acção ou saída? Aquela designação terá sido negociada? Terá sido uma cedência para que o grupo fosse viabilizado? Só assim compreendo que a constituição do GT tenha sido aprovada por unanimidade pela CECC*.

Bom, fosse como fosse, sempre com esperanças mas nunca fiando, tínhamos de estar preparados para não nos deixarmos “comer por lorpas”: não iríamos para ali fazer o número de anti-acordistas amestrados, como tantas vezes já vimos antes e continuamos ainda a ver; alguns tendem a deixar-se enredar em “eventos” de pura propaganda  acordista.

Pois nós nunca nos deixámos envolver em coisa alguma para além da luta contra o AO90. A ILC-AO participaria no GT, evidentemente, até porque tinha estado na origem da sua formação, e não iríamos fechar portas ou acirrar hostilidades, isso era certo: por todas as razões e mais algumas, a começar pela forma transparente, honesta e esperançosa como a ideia tinha sido lançada. Ou seja, a nossa presença não serviria para sancionar um embuste, se fosse esse o caso, atendendo à maioria acordista e ao “título” do grupo, mas ainda assim a nossa postura seria sempre civilizada.

Para que à cabeça ficasse claro que não estávamos ali para fazer figura de corpo presente, isto é, de idiotas úteis, preparámos antecipadamente um texto para esclarecer ao que íamos. Entregámos e lemos uma “Declaração de Princípios” que terminava assim:
«O que vimos agora aqui dizer, por fim, é que existem ferramentas e mecanismos para anular o erro colossal que foi a aprovação pelo Parlamento português da RAR 35/2008. Estamos no exacto local onde esse erro foi cometido, logo, é também este o único lugar para voltar atrás: basta para isso, simplesmente, que seja respeitada a vontade dos cidadãos de seguir em frente.
Porque é neste aparente paradoxo, voltar atrás num erro para seguir em frente com o que é correcto, que reside em essência tudo aquilo que pretendemos. É esta, estamos certos, a vontade da maioria dos portugueses.»
[Ponto 7 da “Declaração de Princípios” lida no GTAO]

Em 13.02.13 foi publicado, na respectiva página do “site” do Parlamento, o relatório da nossa audiência, incluindo gravação integral das intervenções.

Se o título do GT já incomodava e se o respectivo quórum não augurava nada de bom, então havia algo pior ainda: o relatório da nossa audiência foi publicado no “site” do Parlamento com diversos truques e uma nada  pequena armadilha semântica. Chamando os parlamentares bois pelos nomes, há nesse relatório um parágrafo absolutamente capcioso:
«Entendem que a entrada em vigor do Acordo não é um facto consumado, existindo uma oposição generalizada nos organismos do Estado. Afirmaram que é possível reverter este processo e voltar à forma antiga, existindo mecanismos para anular o erro da aprovação da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008.»

Nenhum de nós, que me recorde, proferiu a expressão “voltar à forma antiga”. Nunca, jamais, em tempo algum, que eu saiba, qualquer elemento da ILC-AO se referiu à Língua Portuguesa correcta utilizando uma formulação sequer remotamente parecida com “forma antiga” (ou coisa que o valha).

Mau demais para ser verdade. A utilização daquela alienígena formulação no relatório da nossa audiência tentava transmitir a ideia abstrusa de que as pretensões da ILC-AO não passavam de um retrocesso. Tão tendenciosa quanto evidente manobra de intoxicação, está bem de ver.

Reiteremos: as palavras não são indiferentes, a escolha de termos não é nunca meramente casual.

Por conseguinte, ficámos cientes de que a coisa poderia vir — como de facto sucedeu — a acabar pessimamente, mas, ainda assim, optimistas inveterados que somos, conservámos um módico de esperança: na vida há milagres, podíamos afinal estar enganados!

A seguir à nossa, muitas outras audiências e audições se seguiram. Presumindo que não valerá  a pena estar mais uma vez tergiversando a respeito da diferença entre “audição” e “audiência”, passemos adiante. Foram, no total 12 audições (solicitadas pelo GT) e 6 audiências (solicitadas ao GT), envolvendo organizações, entidades, algumas personalidades, individualmente, e até mesmo, pasme-se, um ou outro grupo excursionista.

Antes de falarmos dos (desastrosos) resultados finais daquele grupo de trabalho para lamentar, introduzamos aqui uma outra vertente do assunto.

É que, de facto, houve neste processo uma interferência tão estranha quanto (desastradamente) decisiva: em 26 de Abril de 2013 foi entregue na Assembleia da República (mais) uma petição contra o AO90.

As datas, e em especial as coincidências temporais, poderão ajudar a explicar alguma coisa?

Recapitulemos:

Pergunto: quando (mais) aquela petição foi lançada, já teria sido anunciada a formação do Grupo de Trabalho?

Observo: quando a mesma petição foi entregue (Abril 2013), o GTAO ainda não tinha encerrado os seus trabalhos; aliás, estava precisamente a meio desses trabalhos.

Ora, então, porque terá sido a dita petição entregue àquele mesmo Grupo naquela precisa ocasião?

Porque se centra o Relatório de Actividades do GT mais na petição do que nas audições e audiências que realizou, e muito mais no texto da tal petição do que nas centenas de documentos entregues ao próprio GT?

Desse relatório consta, após citação quase ipsis verbis dos pressupostos arrolados pelos peticionários, esta “sentença” absolutamente extraordinária:
«Em linhas gerais, estes argumentos foram também aduzidos pelos opositores numa petição entregue na Assembleia da República. O documento foi objecto de análise na 1ª Comissão, que já emitiu parecer sobre o assunto.»

Perdão? “Em linhas gerais”? Como é isso? Vários (se não a maior parte ou se não mesmo a totalidade) dos pressupostos mencionados e das “críticas ao acordo ortográfico” enumeradas no ponto 4.1 do  Relatório constam do texto da petição; parecem aliás ser um simples copy/paste (copia e cola) desta para aquele, como se nada mais existisse para além daquilo, naqueles termos e com aquelas prioridades. O que não é de todo o caso, como sabemos.

Sobra ainda uma outra perplexidade (digamos assim): como se compreende que essa petição tenha integrado o relatório do GTAO* se os representantes dos peticionários não tiveram ali qualquer audiência (ou audição)? Mas isto faz alguma espécie de sentido, porventura, visto que a mesma petição foi posteriormente discutida  em plenário (no dia 28.02.14) e de seguida arquivada sem produzir o mais ínfimo resultado prático?

Sem o mais ínfimo resultado prático, realmente, de tal forma que o promotor da “desvinculação de Portugal ao acordo ortográfico” [sic] nem se deu ao luxo de comparecer na “discussão” da mesma, porque, disse, estava «desiludido».

Tudo muito estranho, parece-me. A história está, de facto, em especial quanto a este particular, muitíssimo mal contada.

Passemos ao desfecho: o encerramento dos trabalhos do GTAO deu-se com a aprovação formal do respectivo relatório final, em 30 de Julho de 2013.

Resultados? Inexistentes, é claro. Na prática, nada.

«O Grupo de Trabalho teve como objectivo último fazer o ponto de situação na aplicação do Acordo Ortográfico em Portugal.»

Zero. Nem merece a pena perder tempo teorizando sobre nulidades ou tecer considerações a propósito de algo que se foi esvaziando, como uma bola colorida entre as mãos de uma criança.

Não é possível que tantos se tenham enganado durante tanto tempo e que tão poucos tenham andado a enganar todos durante o tempo todo.

Pode a verdade, essa mulher desarmada e de atitude franca e relaxada, ser afinal derrotada pela força dos interesses económicos?

Pois parece que sim, pode. Mas então, se é assim, se foi assim, resta a questão primordial, aquela que nos zumbe desde sempre em volta da cabeça, qual varejeira teimosa, persistente, extremamente irritante: porquê? Porquê? Porquê?

PORQUÊ?


Fotos de Rocío Ramos (RR)

(1) – Inês Teotónio Pereira substituiu nesta audiência o deputado efectivo Michael Seufert, que faltou.

[R2_011222]

RTP, serviço púbico

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“A Voz do Cidadão” [RTP, 13.06.15]

«Bem vindos ao programa do Provedor. Já aqui falámos sobre o acordo ortográfico. Hoje voltamos a este assunto, que divide muitos portugueses, para ouvirmos o jornalista João Fernando Ramos que, no “Jornal 2”, se ocupou do tema e que, por lapso da minha parte, não participou no programa anterior, quando deveria ter participado.»
Jaime Fernandes, Provedor do Telespectador da RTP

«Não fui eu que fiz mal as perguntas. Eu coloquei as questões que todos nós nesta altura ainda colocamos sobre o acordo ortográfico. A resposta, se não foi clara, eu lamento e na próxima vez terei de escolher alguém que me dê respostas mais claras.»
João Fernando Ramos, jornalista da RTP

 

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