‘La Reina de la Novela Rosa’


Portela, Setembro de 2000. “Vai com espírito de missão?”, perguntou ele (e os jornalistas todos). “Não”, respondi. “Vou porque não tenho lugar em Portugal.”

É de facto comovente a preocupação de nosso acordita-mor, Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o seu inexcedível “respeito” pelos Tratados em geral e pelo cumprimento do “acordo ortográfico” em particular.

Mesmo havendo o pequeno senão de esse acordo em concreto, o AO90, não ser, de todo, em rigor ou após uma simples vista-de-olhos, um verdadeiro Tratado ou um papelucho que sirva para algo mais do que os da Renova, vá.

Não o é, seguramente, porque nem a martelo pode essa igualmente macia “folha dupla” ser de alguma forma encaixada no conceito de Direito Internacional nos termos previstos, tipificados e regulamentados pela Convenção de Viena, a que Portugal — como país teoricamente civilizado — está vinculado desde 2003. Não é um Tratado internacional, de Direito, e é absolutamente ilegal a sua entrada em vigor por via da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008; tendo sido elaborado pelos directórios partidários este expediente parlamentar, à revelia de qualquer disposição normativa ou mecanismo legal, internacional ou doméstico, a entrada em vigor do Tratado perde ab initio, por consequência, qualquer efectividade, na forma, no articulado e nas suas disposições.

Desta falsa e ilegal aprovação da entrada em vigor de um Tratado internacional também ele ilegal  decorre, por fim, que toda e qualquer legislação, regulamentação ou simples ordem de serviço subsequente, sendo baseada na referida Resolução parlamentar, fica de imediato anulada, visto que todo o processo legislativo está ferido de ilegalidade; assim, são de igual modo de nenhum efeito, porque se estribam em processo legislativo inválido, o Aviso nº 255/2010 (do M.N.E., depósito dos instrumentos de ratificação), o Decreto do PR n.º 52/2008 (ratifica o II Protocolo Modificativo, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008) e ainda, por fim, a Resolução do Governo nº 8/2011 (determina a aplicação do AO90, também nos termos da RAR 35/2008).

Trata-se, portanto, de cabo a rabo, de papelada que não vale a tinta com que foi impressa. Um impressionante calhamaço de inacreditáveis tretas, mentiras, fábulas romanescas ao nível dos grandes (e eternos) sucessos mexicanos. Ainda assim, sabendo perfeitamente que o AO90 é uma fraude maneta (e perneta), pois a longínquas paragens mentais e alucinações filosóficas não chegará certamente a imaginação do pobre governante, o senhor Silva jura ao inválido incríveis coisas, uma oratória pungente regada a “até que a morte nos separe” e assim. Àquela pilha de papéis inúteis declara Sua Excelência sua paixão absoluta, a tal molho de folhas jura “nosso” ministro fidelidade para a vida, batendo no peito, quase ameaçando soltar sua lágrimazita de emoção. Chuif chuif, senhor ministro, até eu, senhor ministro, mais meia horita dessas suas juras e era bem capaz de desatar uma choradeira, ui, que romântico, chuif, repito, lá diz o povo, “o amor é louco, não façam pouco”. 

Bom, enfim, “deslarguemos” estas cenas ridículas “tipo” Corín Tellado, quando não, arriscamos a levar com outros 340 episódios da telenovela AO90, juras de marmanjos, zaragatas entre galãs ligeiramente trogloditas, maledicência à tonelada, listas de compras e mau feitio a gastar.

Todos temos mais que fazer, certo?

Certo. Temos. Só “nosso” coiso parece que não.

Santos Silva: “Acordo ortográfico é para cumprir”

Por Paulo Jorge Pereira
e Fábio Carvalho da Silva

Por que razão se insiste no acordo ortográfico? Não é já o tempo de o acordo voltar para trás?

Bem, isso é da área da Cultura, não é comigo, mas vou responder-lhe com o meu ponto de vista. Eu não.

tenho nenhuma competência técnica nesse assunto, mas pelo que me dizem este acordo ortográfico é um dos que gozam de maior vigência na história dos acordos, porque tem havido revisões sucessivas. As pessoas escandalizam-se muito hoje por “para” não ter acento, assim como o meu grande mestre Vitorino Magalhães Godinho, em plenos anos 80, ainda escrevia e escreveu até morrer “criar” com “e”, porque não tinha aceitado a revisão de um determinado ano.

Agora, eu sou ministro dos Negócios Estrangeiros e Portugal é conhecido e respeitado em todo o mundo por cumprir os compromissos que assume. Há um acordo internacional de que Portugal fez parte – e mais uma vez não encontrará a minha assinatura nesse documento, não porque eu não quisesse mas porque não fazia parte do Governo de então – e Portugal não é um país que não cumpre os acordos internacionais que celebra. De outro ponto de vista, o acordo ortográfico é uma convenção ao abrigo do qual hoje em dia milhares de crianças aprenderam a escrever na escola, que antigamente se dizia primária e agora ensino básico, e julgo que também devemos respeitar os interesses dessas crianças e tudo o que fizemos.

Mas enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros o que posso dizer é que é um acordo internacional que foi celebrado pelas autoridades competentes, um Governo propôs a sua aprovação, uma Assembleia da República aprovou, um Presidente da República ratificou, cumpre ao ministro dos Negócios Estrangeiros verificar que o país respeita esse acordo.

Perfilados pelo dever

Perfilados de Medo

Perfilados de medo, agradecemos
o medo que nos salva da loucura.
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura.

Aventureiros já sem aventura,
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos.

Perfilados de medo, sem mais voz,
o coração nos dentes oprimido,
os loucos, os fantasmas somos nós.

Rebanho pelo medo perseguido,
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido…

Alexandre O’neill


«E foi assim, parafraseando O’Neill, “ortografados de medo” (com medo que o português, como idioma, se desmembrasse, medo que contaminou certa intelectualidade e serviu de mote a actos políticos condenáveis), que impuseram a loucura da “unificação”. Agora, no dia 5 de Maio, hão-de tecer-se novas loas à língua, como convém. Ignorando que, se houve porta que Abril não abriu, foi a de reconhecer à língua portuguesa maturidade para integrar as suas diferenças (as suas variantes nacionais) sob uma denominação comum. Podendo e devendo partilhá-las num dicionário global normativo (que infelizmente não existe), embora distinguindo o que seria aplicável em cada país. É esse o futuro por que vale a pena lutar.» [Nuno Pacheco]

Não, não é.

O “futuro por que vale a pena lutar” é o passado por que vale a pena lutar. E esse passado, há que dizê-lo sem medo, que de cobardes estamos todos fartos, é ainda o presente, um presente de hiato entre decência e inteligibilidade, um laivo esplendoroso de clarividência no meio de um assomo de loucura.

Não existe no AO90 uma única palavra portuguesa “imposta” ao Brasil; é, aliás, 100% ao contrário, tudo pela inversa, toda a “nova grafia” é integralmente brasileira; trata-se, portanto, de um “acordo” sem acordo algum, já que uma das partes cede em rigorosamente tudo e a outra parte não cede absolutamente em nada. Pouco importa, face à crueza dos números e perante o roncar da porca da realidade, que uns quantos idiotas inventem de novo o fogo ou, em alternativa, finjam que o Brasil não assinou em 1945 e “desassinou” em 55 aquilo que no AO90 apregoam como sendo “cedências” dos “caras”.

E também não, não foi porque uns quantos medrosos tiveram “medo que o português, como idioma, se desmembrasse”, que meia dúzia de cretinos se lembraram de tentar impingir a todos nós o AO90. Essa patranha, o pretenso “medo” da extinção de uma putativa língua minoritária, essa mentira que ainda hoje circula foi apenas um dos pretextos para tentar disfarçar a vigarice e, do mesmo passo, vender como minimamente credível a tese do “gigantismo” brasileiro: se o Brasil é um país-continente, dizem eles, na sua “lógica” de técnicos oficiais de contas linguísticas, então basta “adotar” a espécie de língua que os brasileiros usam para comunicar entre si, amalgamar numa pasta todas as suas variantes (nordestino, carioca, paulista, amazónico, sulista, etc.) e levar Portugal a  “adotar” uma espécie de escrita fonética brasileira como sendo “comum”.

Consumada esta manobra de engenharia linguística, a coberto da CPLP e a pretexto de uma alucinada “expansão” (neo-colonialista), extinguindo por simples exclusão de partes o Português-padrão, as verdadeiras finalidades do AO90 revelaram-se por fim: está já em curso a liquidação da Língua Portuguesa, a transferência de poderes do Governo português para o brasileiro, a tomada de posse por parte do Palácio do Planalto das nossas instalações diplomáticas e, principalmente, das infraestruturas de Ensino, incluindo campus universitários, instalações e edifícios, organizações e instituições culturais portuguesas em África e na Ásia.

Com carta branca de traidores governamentais e com a solícita colaboração de vendidos “intelectuais” (linguistas e “investigadores” da treta), gente paga à hora e tarefeiros para o trabalho de sapa (intoxicação da opinião pública), uma fraude colossal — em estreia mundial — vai já garantindo, hoje por hoje, um nada despiciendo maná de tachos, além dos já conhecidos e muito mais por conhecer negócios da China.

A imposição selvática do AO90 anulou qualquer possibilidade de entendimento, antecipando em 50 ou 60 anos aquilo que será de todo inevitável, isto é, a “entronização” da língua brasileira como uma entidade imaterial independente. Seria talvez possível empurrar ainda mais para as calendas essa inevitabilidade, caso se acordasse (a sério) na fixação de duas variantes do Português (uma em Portugal e PALOP, a outra no Brasil), mas tal apenas teria alguma hipótese de sucesso caso os “homens de negócios” de ambos os lados fossem arredados das negociações, se em vez de linguistas pagos com tachos e sinecuras houvesse lá gente de saber, na muito difícil condição de a política e os políticos, mercenários, aldrabões e mentirosos profissionais ficarem de fora das académicas discussões.

Nessa absolutamente impossível conformidade talvez pudesse surgir alguma ponta (ou ponte) para um entendimento curial, com nenhuma obrigatoriedade e apenas para efeitos da mais elementar resolução de algumas discrepâncias.

Mas já nem isso é possível. Deixou de existir sequer formulação para designar, descrever ou delimitar, mesmo que grosseira e genericamente, todo e qualquer tipo de “acordo ortográfico” entre Portugal, Brasil, PALOP, Timor, Macau, Goa e diáspora(s).

O Brasil declarou a sua independência política em 1822. Parabéns.

Alguns vendidos portugueses declararam a extinção da Língua Portuguesa através da “adoção” por Portugal da língua brasileira. Malditos sejam.

Os traidores são por definição apátridas. Por definição e pela eternidade que deles já se esqueceu.

Completam-se, no domingo, 47 anos do 25 de Abril. Quase tantos, já, quantos os que durou a ditadura, que na verdade não foram bem 48 mas sim 47 anos, 10 meses e 27 dias, contados entre o golpe militar de 28 de Maio de 1926, que os partidários da ditadura celebravam como “revolução nacional”, e o golpe militar de 25 de Abril de 1974, que mundialmente se tornou célebre como “revolução dos cravos”. Não é mera questão de semântica, nem jogo de palavras: o que esteve em causa foi sempre a liberdade. Reprimida, durante a ditadura; ainda confusa na turbulência da transição; e finalmente consagrada na democracia.

Sinais dos tempos: em 1974, com os tanques na rua, tornou-se célebre uma fotografia onde, ao fundo, se via um grande cartaz de cinema a anunciar O Esquadrão Indomável. Nem de propósito. Em 2021 não há “esquadrão”, mas há Hollywood, com a cerimónia dos Óscares a ser transmitida (quem diria) pela televisão estatal, a RTP. Uma tardia “conquista de Abril”? Nem por sombras. A cerimónia costuma realizar-se em Fevereiro, às vezes em Março, e só devido à pandemia é que foi empurrada para Abril, coincidindo no nosso 25. Já agora, para não ficarem dúvidas, o tal “esquadrão indomável” do cartaz retratado em 1974 também não era um grupo de heróis, mas sim de polícias implacáveis e com métodos nada democráticos. “Quando eles estão em acção é difícil dizer quem são os polícias e os assassinos”, dizia na altura a propaganda do filme, que na versão original se chamava The Seven Ups.

Uma dúzia de anos antes de nos ser devolvida a liberdade, escreveu Alexandre O’Neill (no seu livro Poemas com Endereço, 1962) “Perfilados de medo”, que José Mário Branco viria magistralmente a musicar, gravando-o em 1971 no exílio, em Paris. “Perfilados de medo, agradecemos/ o medo que nos salva da loucura./ Decisão e coragem valem menos/ e a vida sem viver é mais segura.” (Poesias Completas, Ed. Assírio & Alvim, 2000, pág. 191). Pois bem: há casos em que é o medo que nos empurra para a loucura, em vez de nos salvar dela. E um deles, já gasto, cansativo, moribundo, é o da ortografia. Não havia em Portugal uma ortografia oficial até ser fixada em 1911, após o derrube da Monarquia. Foi a I República que nela insistiu, num país onde 76% da população era analfabeta. Mas o “bichinho” das alterações ortográficas não parou: deu mais reviravoltas em 1945 e em 1973, remexendo em acentos e letras, congeminou novas aventuras nos anos 1960, quis revolucionar as regras em 1986, recuou perante as muitas acusações escandalizadas, e finalmente ajustou-as em 1990, para depois, bem mais tarde, vê-las impostas numa coisa chamada “acordo ortográfico” com a inalcançável veleidade de criar uma ortografia comum ao universo da língua portuguesa.

Visto de fora, pode parecer normal. Mas, visto de dentro, o resultado é um pesadelo. Já em 1945, quando Portugal (então uma ditadura ainda com colónias em África) tentou acertar com o Brasil uma ortografia unificada, o gesto pecava por tardio. As divergências entre os dois países no domínio da língua eram já insanáveis. O Brasil concordou em 1945, mas dez anos depois desvinculou-se. As regras ortográficas de 1945 serviam o português de cá, o europeu, mas não serviam o português do Brasil, americano. Tudo quanto se fez depois, além de ser em vão, só serviu para descaracterizar o português de cá e de lá, sem proveito nem préstimo. Enquanto isso, as colónias africanas emanciparam-se após o 25 de Abril, cada qual com a sua bandeira, o seu hino, as suas leis, os seus sistemas e moedas próprias. Por que razão não deviam, também, dar livre curso ao uso feito do português, fixando as respectivas variantes? Por nenhuma razão. Só uma certa loucura lusitana imaginou que, escolhendo a sua própria via em tudo o resto, deviam ficar presos a uma ortografia comum.
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Os Bragança às turras

D. Pedro IV (1798-1834)

«Rei de Portugal entre 1826 e 1834, D. Pedro IV, O Libertador, foi o primeiro imperador do Brasil. Viajou para o Brasil com a restante família real em 1807, logo após a primeira invasão francesa. Na sequência da Revolução de 1820, em Portugal, as Cortes determinam o seu regresso à metrópole, mas D. Pedro recusa-se a embarcar para a Europa. Foi então que, como líder do movimento independentista daquela colónia, decide proclamar junto às margens do rio Ipiranga a independência do Brasil (1822). Logo depois é proclamado imperador do Brasil.»
«Após a morte de seu pai D. João VI, em 1826, D. Pedro é designado rei de Portugal pela regente D. Isabel Maria e outorga aos portugueses a Carta Constitucional de 1826. Quis abdicar em favor de sua filha, D. Maria da Glória (futura rainha D. Maria II), mas a guerra civil travada entre liberais, liderados por D. Pedro, e absolutistas, liderados por seu irmão D. Miguel, que também pretendia o trono, adiou a coroação de D. Maria até 1834.» [Parlamento (português)]

Bandeira do Império do Brasil Reino Unido de Portugal e Brasil Família Imperial do Brasil

Tomou D. Pedro I o titulo de Imperador do Brasil porque, azar, o de Rei já estava ocupado e, ainda por cima, o titular do dito era o seu próprio pai. Ora, com a família não se brinca, por um lado, e por outro seria aborrecido, digamos, liderar um golpe de Estado para depor o patriarca D. João, o VI do nome: os regimes monárquicos também têm suas regras, por vezes ainda mais confusas do que as republicanas, e uma delas é que não pode haver simultaneamente dois reis em linha sucessória directa. O jovem Pedro I do Brasil, como sucede por regra na juventude, seria talvez um bocadinho hiperactivo, não estava para esperar que seu papá batesse a real bota, de maneira que intitulou-se a si mesmo “imperador” para não abusar do título paterno e para evitar, em suma, meter-se em assados.

Enfim, para pouco interessarão estas histórias da História, apenas vêm a talhe-de-foice, salvo seja, visto que há novidades entre primos e primas, tios e tias, patriarcas já vagamente gagás e fedelhos de chupeta altamente candidatos a moderníssimos testes de ADN, que isto ele com sangue real há que, desde os primórdios, nunca fiar. Já houvesse nos tempos de Cleópatra, por exemplo, para não ir ainda mais longe, modernices tão maçadoras como os testes de paternidade e então bem poderíamos rasgar todos os velhos livros de História, aprendê-la novamente de fio a pavio, todos os calhamaços novinhos em folha, tudo outra vez desde o incipit. Muito provavelmente, dispersada bíblica mas não convenientemente a sementinha, as famílias reais (e, por maioria de razões, as imperiais) seriam hoje descendentes ou de outras, igualmente distintas e graves, ou de outros, isto é, pastores, moços de estrebaria, mordomos (ou aias, é consoante), guardiões pessoais de Suas Altezas, até bobos da Corte, cozinheiros, copeiros ou modestos artífices terão gerado alta descendência de altíssima estirpe, quem sabe se um Rei ou outro, um Imperador aqui, outro ali, dinastias inteiras cairiam na desgraça porque valores mais altos se levantaram, longe vá o agoiro.  

Ao que parece, agora a pretexto de um casinhoto com seu quê de fictício, diversos ramos dos Bragança, tanto de cá como de lá, patrícios e estrangeirados, todos enfileirados no tronco familiar comum, andam de novo às turras por causa daquilo que neste vale de lágrimas em exclusivo move montanhas: o dinheiro.

Longe vão os tempos de pretensa convulsão política, rapidamente apaziguada quando uns quantos tios e tias (de Cascais não, que ainda não estava na moda) assinaram um Tratado no Rio de Janeiro (1825), sendo agora — como desde então — as convulsões bragantinas mais ou exclusivamente de ordem económica; confesso que não sei ao certo dizer “cacau” em brasileiro (pilim?, massa?, ferros?) mas o facto é que este artigo tresanda não apenas a cacau, pilim, massa, ferros, mas também a guita, pasta e, principalmente, carcanhol.

O Museu da Língua Brasileira, pretexto central desta recente “polémica” entre os Bragança, reflecte o fulcro da questão – a terraplanagem do Português-padrão e sua substituição pela escrita pseudo-fonética brasileira — e demonstra que são imensas e das mais diversas formas as movimentações acordistas para a transformação de Portugal em simples anexo (e “porta dos fundos” europeia) do “gigante brasileiro”: além da Igreja Católica (e, em especial de algumas Ordens, como a Opus Dei, com a mais do que evidente militância de algumas “lojas” maçónicas, temos também que contar com o velho sonho e a horrorosa assombração neo-imperialista.

Infiltrados nos meios empresariais e políticos, governamentais, parlamentares e diplomáticos, elementos provenientes das diversas estirpes, seitas, grupos e famílias, todos eles traidores e vendidos, manobram — na sombra socorrendo-se de todos os meios, mesmo os mais inconfessáveis — para esmagar qualquer veleidade, toda a oposição ou simplesmente seja quem for que ousar enfrentar o II Império brasileiro.

Os vendidos financiam o que for preciso.

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Braganças brasileiros desunidos

Aristóteles Drummond

Jornal O DIABO, 15.04.21 – jornaldiabo.com

O Museu Nacional, palácio que serviu de residência a D. João VI e depois aos imperadores do Brasil, quase destruído por um incêndio em 2018, reunia acervo arqueológico e zoológico colectado desde o Império. Inclui uma das mais completas bibliotecas de ciências naturais do mundo, com cerca de meio milhão de volumes, muitos raros. Algo de significativo foi salvo. E ali, sob a responsabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro, são ministrados cursos de pós-graduação e realizados estudos de qualidade. O sector já possui outra instalação próxima ao Rio.

Ocorre que esse conjunto pode ser reunido em qualquer outro imóvel, inclusive no “campus” universitário a poucos quilómetros, na Ilha do Fundão, próximo ao Aeroporto Internacional do Rio.

Assim, surgiu a ideia de um grupo de monárquicos, apoiados pelo deputado Príncipe D. Felipe de Orleans e Bragança, de o tornar num museu dedicado à Família Bragança, incluindo, no caso, os príncipes Saxe-Coburgo, descendentes da princesa Leopoldina de Bragança e do Príncipe Augusto Saxe-Coburgo-Gota, muitos vivendo no Brasil.

A ideia encontra resistência no meio académico, que é naturalmente hostil à monarquia, pela forte influência marxista. E, para surpresa geral, encontrou eco no Príncipe D. João, o fotógrafo, conhecido por D. Joãozinho, filho do Príncipe D. João, já falecido, que foi oficial da Força Aérea na última grande guerra, e da Princesa egípcia D. Fátima Tousson. D. João é o nobre com melhor cobertura nos “media”, sempre com posições progressistas, como agora que afirma que a família sempre serviu o Brasil e que seus antepassados ficariam felizes de verem o palácio servir a cultura e a ciência. Contudo, D. João, defensor da monarquia, não participa nos movimentos monárquicos, quase todos de orientação conservadora. O movimento de criar o museu dedicado à Família Bragança sofreu uma perda com a saída do executivo de Ernesto Araújo, diplomata de simpatias monárquicas, que apoia o projecto.

Os monárquicos já estão em campanha para que o governo altere o destino do Palácio-Museu, tendo em vista os festejos dos 200 anos da separação do Brasil de Portugal, em 2022, quando as obras de restauro devem ficar prontas. Afinal, a independência deve-se a D. Pedro I – IV de Portugal –, que ali morou e onde criou os filhos. E D. Pedro II reinou durante meio século.

O Palácio-Museu ocupa um belo terreno, conhecido como Quinta da Boavista, vizinho ao Jardim Zoológico do Rio, e conta com um restaurante luso-brasileiro referenciado nos guias gastronómicos. Fica também próximo ao estádio Mário Filho, conhecido como Maracanã.

Outro museu com presença da Casa de Bragança situa-se em São Paulo, o Museu do Ipiranga, no local em que o então Príncipe Regente rompeu com as Cortes portuguesas.

Deve-se observar o grande interesse popular que o assunto vem merecendo, uma vez que o Museu Imperial, em Petrópolis, nas imediações do Rio, na região serrana, é, desde sempre, o mais visitado do Brasil.

Mas o fenómeno das esquerdas internacionalistas de quererem ignorar e negar o passado é hoje, em todo mundo, a palavra de ordem. Cabe resistir! ■

Aristóteles Drummond

[Transcrição parcial do artigo, da autoria de Aristóteles Drummond, publicado no Jornal “O DIABO” de 15.04.21. Destaques, sublinhados e “links” meus. Bandeira do Império do Brasil: Tonyjeff, based on work of Jean-Baptiste Debret., Public domain, via Wikimedia Commons. Escudo de Armas Reino Unido Portugal, Brasil e Algarves  via Wikimedia Commons. Brasão da Família Imperial do Brasil: Tonyjeff, based on work of Jean-Baptiste Debret., Public domain, via Wikimedia Commons.]

https://inforex.com.br/editorias/industria/museu-da-lingua-portuguesa-tem-sistema-de-combate-a-incendio-reforcado/

‘E depois do adeus’


1. Não conheço Guilherme d’Oliveira Martins. Apenas o vi pessoalmente, umas três ou quatro vezes, entre 2010 e 2012, se bem me lembro, sempre em palestras nas quais Vasco Graça Moura foi o orador.

2. O próprio G.O.M. jamais proferiu, tanto nas ditas palestras como em quaisquer outros eventos, que me recorde, o mais ínfimo comentário — público ou particular, nos “media” tradicionais ou em qualquer outro suporte — sobre a Ortografia em concreto, a Língua Portuguesa em geral e o “acordo ortográfico” em particular.


O AO90 é, de facto, para o Brasil, o verdadeiro, o maior, o mais apetecível e lucrativo negócio da China: a troco de absolutamente coisa nenhuma recebe “de presente” todas as ex-colónias portuguesas. Sem lacinhos a rematar e a abrilhantar os presentinhos, mas com os cumprimentos da gerência, isto é, de Belém e São Bento. A dita gerência (ou Governo) da República portuguesa outorga assim, e portanto, de mão-beijada, ao Brasil, toda a primazia em quaisquer negócios de “cooperação” com as administrações indígenas dos territórios que entre os séculos XVI e XX Portugal colonizou em África e na Ásia.

Está em curso a transferência daquelas que foram as nossas posições de privilégio, já não enquanto potência colonial mas apenas em função do nosso papel histórico nos países que na actualidade resultaram do extinto Império português. Posições de privilégio essas que nos foram concedidas pelos actuais governantes dos referidos novos países, dado o nosso inegável e (aparentemente já não) perene legado histórico. Todas as  grotescas oferendas que a oligarquia ora dominante em Portugal decidiu entregar ao Brasil foram, rápida e nada subtilmente, atiradas para o colo político dessa outra ex-colónia portuguesa, aquela única que sobrou do domínio espanhol na América do Sul (nos termos de um Tratado, note-se).

Ao que parece, segundo a inamovível “lógica” dos actuais governantes lisboetas, existe um total “desprendimento” pelas coisas terráqueas, são uns mãos-largas, ou seja, há que entregar ao Itamarati, com a cobertura dos “negócios estrangeiros” cá da “terrinha”, quaisquer negócios chorudos ou possibilidades de saque das riquezas naturais de 7 países e 2 territórios (Goa deve estar para breve), entregando aos brasileiros a incumbência “diplomática” de fazer o que lhes apetecer com o molho de chaves da CPLP e quintais adjacentes. Tudo isto, bem entendido, feito pela calada e automaticamente “justificado” pelo “gigantismo” do Brasil, dado o “fato” de eles serem 210 milhões em 240 milhões de “falantes” de uma língua que recentemente re-baptizaram como “pórrtugueiss universáu”, ou seja, a língua brasileira.

O referido gigantismo, conforme aliás a patologia inerente, toma a acromegalia do “país-continente” por legitimamente referendada, implicando a sua suposta “supremacia”, e aceita por democraticamente eleito o “direito natural” do “gigante brasileiro” a apossar-se, por exemplo e por arrastamento, das escolas (ex-)portuguesas de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo-Verde, São Tomé, Timor-Leste e agora, por fim, Macau. E quem diz “língua universáu” e escolas, diz “ensino” e quem diz “ensino” diz liceus, diz universidades, diz diplomas, diz alunos com formação superior, diz altos quadros, diz empreendedores, diz decisores, diz políticos. Todos eles a falar brasileiro fluentemente e a escrever “ao abrigo” do AO90, isto é, segundo uma espécie de transcrição fonética do linguajar brasileiro. Versão “culta”, pois claro, seja lá isso o que for em tão cerrada selva de falares.

Adeus, Macau.

A magia da palavra…

Guilherme d’Oliveira Martins

– www.dn.pt

Fernão de Oliveira, autor da primeira Gramática da Linguagem Portuguesa (1536), alertou: “Não desconfiemos da nossa língua, porque os homens fazem a língua e não a língua os homens”; e João de Barros, quatro anos depois, afirmou que o português “não perde a força para declarar, mover, deleitar e exortar a parte a que se inclina, seja em qualquer género de escritura”. É a língua o nosso mais importante valor civilizacional. Deve, por isso, ser por todos protegida. E como fazê-lo? Falando-a e escrevendo-a bem. Compreendemos, por isso, Fernando Pessoa, num texto muito referido mas pouco compreendido: “Odeio com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon…”

Muito se tem dito sobre o tema. Contudo, do que falamos é de um ato de cidadania, mais do que de questão de gramáticos, como está no Livro do Desassossego. O fundamental é que saibamos comunicar, que nos façamos entender corretamente, tal como nos ensinaram os melhores cultores do nosso idioma. E tantas vezes esquecemos as nossas próprias condições históricas, bem diferentes do caso da língua inglesa, que não necessitou de regulamento ortográfico, porque, como país da Reforma, o rei Jaime I ordenou que fosse feita a tradução da Bíblia em língua vulgar, obra magna que ficaria concluída em 1611. Hoje, continua a ser essa a matriz do falar e do escrever em inglês, como uma das mais belas obras literárias do idioma, criada para ser lida em voz alta nos templos e compreendida em silêncio por cada um dos seus leitores.

A história portuguesa nesse domínio é, como sabemos, assaz diferente. Desde 1911 que o tema se discute, numa longa sucessão de encontros e desencontros.

A República propôs-se simplificar, com substituição, por exemplo, dos dígrafos de origem grega (th, ph) por grafemas simples (t, f) ou com a eliminação do y.

E Pascoaes não se resignou: “Na palavra lagryma, (…) a forma do y é lacrymal; estabelece (…) a harmonia entre a sua expressão graphica ou plastica e a sua expressão psychologica; substituindo-lhe o y pelo i é offender as regras da Esthetica. Na palavra abysmo, é a forma do y que lhe dá profundidade, escuridão, mysterio… Escrevel-a com i latino é fechar a boca do abysmo, é transformal-o numa superficie banal.” Em 1931, foi assinado um primeiro acordo luso-brasileiro, que não foi aplicado. Em 1945, houve novo tratado, mas o Brasil continuou a aplicar o seu vocabulário de 1943. Em 1973, o governo português aboliu os acentos grave e circunflexo em certos casos; e em 1990 houve o Acordo Ortográfico…

Independentemente de controvérsias, temos de tomar consciência de que se trata de um património cultural partilhado, língua de várias culturas e cultura de várias línguas, que terá mais de 500 milhões de falantes no final do século. Temos de cuidar bem desse valor, para que o português seja bem falado e escrito (com os verbos intervir e haver bem conjugados, com o plural de acordo sem ó aberto), sem o massacre dos pronomes; sem erros escusados de uma novilíngua orwelliana – como resiliência em vez de resistência; implementação em vez de execução ou até implemento; evidência em vez de prova; empoderamento em vez de capacitação. Ler ou ouvir grandes escritores é o melhor caminho – disse-o Filinto Elísio: “Aprendei, estudai; / e os bons autores sabereis ter em crédito e valia. / Eles a língua em seu primor criaram / eles no-la poliram.”

Guilherme d’Oliveira Martins – Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

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Guilherme d’Oliveira Martins, ex-ministro da Educação: “Negociar a Declaração Conjunta obrigou a coragem”

– Hoje Macau –  hojemacau.com.mo

 

Guilherme d’Oliveira Martins dá amanhã, às 18h30, uma palestra online sobre a relação entre arte e educação na Fundação Rui Cunha. Em entrevista, o administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian e antigo ministro da Educação, que acompanhou a criação da Escola Portuguesa de Macau, revela-se orgulhoso do trabalho feito e lembra as negociações com a China para a Declaração Conjunta como o principal momento da presidência de Mário Soares

Arte e educação. São complementares e fundamentais?

A arte é fundamental, uma vez que se trata da primeira etapa da aprendizagem de qualquer ser humano. Os estudos de psicologia educativa demonstram que o primeiro passo que damos tem a ver com a aprendizagem dos sentidos e das artes. Hoje sabemos que ainda dentro da barriga da mãe uma criança já responde a estímulos musicais, e por isso quando temos educação de infância deparamo-nos imediatamente com o primeiro passo em relação às artes, música e pintura. Quando um dia perguntaram a Sophia de Mello Breyner o que era indispensável numa escola, ela disse: “Poesia, música e ginástica”. O jornalista ficou muito surpreendido, e disse: “Mas, senhora dona Sophia, e a matemática?”. Sophia respondeu: “Acha que é possível distinguir uma redondilha de um alexandrino, ouvir uma pauta de música, sem relacionar a matemática?”. O jornalista ficou esclarecido. Sophia estava a falar da aprendizagem das suas referências mais antigas, a escola grega, que tem todos estes elementos. As artes estão sempre no princípio. E daí a importância que o ensino artístico tem quando falamos daquilo que é uma experiência indispensável, a do diálogo, inovação, da criação e da capacidade de nos conhecermos melhor.

Fala destas questões para um território onde existe a Escola Portuguesa de Macau (EPM), um projecto educativo diferente…

Que eu conheço muito bem. Tivemos a oportunidade de desenvolver um projecto que superou as expectativas iniciais. Sinto um especial orgulho em virtude da qualidade do projecto educativo e dos resultados alcançados. Houve, no início, muitas dúvidas naturais, estávamos próximos do handover e não sabíamos sequer o que iria ser o futuro desenvolvimento da EPM. Daí ter superado as expectativas como um projecto pedagógico de grande qualidade e que vai ao encontro daquilo que são as exigências da contemporaneidade.
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‘Certas Palavras’

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A história do português como nunca foi contada.

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certaspalavras.pt

Quando nasceu a nossa língua?

Pré-publicação da introdução do livro História do Português desde o Big Bang.

Pensemos no princípio: quando nasceu a nossa língua?

Terá sido quando alguém escreveu o nome «português» para se referir à língua dos Portugueses? Mas, quando tal aconteceu, a língua já andava na boca dos falantes, com características muito próprias, havia séculos. Ou terá sido quando apareceram os primeiros textos? Mas, para se escrever um texto numa língua, a língua já tem de existir… Talvez quando o latim aqui chegou, sofrendo alterações espicaçadas pelas línguas que já cá se falavam? Mas o latim já sofria alterações antes de cá chegar e continuou simplesmente a mudar, sem grande interrupção e sem que ninguém pensasse que estava a criar uma língua nova. O próprio latim já vinha de antes, doutra língua de que não conhecemos o nome que lhe davam os falantes. Essa outra língua também já vinha de trás, doutra língua que também vinha de uma língua mais antiga, numa sucessão de falares até ao início da linguagem.

Se quero contar a história toda, tenho de contar o que sabemos da história da linguagem humana − mas, para compreendermos o que se sabe da origem da linguagem (que não é muito), temos de pensar na origem do ser humano (e aí já sabemos mais). Para compreendermos a origem do ser humano, temos necessariamente de compreender a evolução das espécies − e, por fim, pensamos na origem da vida. Por fim? A vida desenvolveu-se sob as pressões naturais da Terra. Para contar esta história desde o início temos de recuar à criação da Terra − e talvez do Sistema Solar.

Vamos mesmo ao princípio. Comecemos no Big Bang.
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