Teoria do cAOs, efeito borboleta e efeito dominó

Chaos theory states that within the apparent randomness of chaotic complex systems, there are underlying patterns, interconnectedness, constant feedback loops, repetition, self-similarity, fractals, and self-organization.

In 1972, Philip Merilees concocted ‘Does the flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas?’

A domino effect or chain reaction is the cumulative effect produced when one event sets off a chain of similar events. [Wikipedia]

Este artigo de Ana Cristina Leonardo sobre as eleições, contendo uma grande carga de bom-senso (e uma pequena de ingenuidade), é um exemplo quase perfeito do efeito dominó que finalmente começa a fazer cair, uma após outra, as peças do jogo acordista.

Vendo o fenómeno por um prisma equivalente mas ainda mais ilustrativo, de novo se constata sobre o AO90 (e suas adjacências esconsas, negócios escuros, brutais mentiras) pairam as asas da borboleta que agitando-se algures acabarão fatalmente por fazer desabar as lisboetas barracas de São Bento, Belém e Necessidades.

É de facto gratificante constatar que vão desaparecendo os pruridos na adjectivação e na compreensão dos pressupostos do processo. Os bois que tentaram vender a Língua Portuguesa a troco de um prato de lentilhas começam a ser chamados pelos nomes. Porque as pessoas já perceberam que afinal foram por canalhas tomadas por imbecis.

Ainda não chegámos a vias de facto, é certo, mas os factos são tantos — e qual deles o mais evidente — que em breve lá chegaremos.

O mais recente artigo de AC Leonardo sobre o assunto é outra pequena amostra da reacção em cadeia. Sobre a qual, aliás, haverá alguns considerandos a tecer e não menos imprecisões a esclarecer… provindo duas delas de citações contidas no texto.

Por exemplo, quando cita a expressão «legitimação do AO» poderia a autora talvez ter atalhado de imediato que jamais existiu qualquer de espécie de “legitimação” do AO90, até porque uma coisa e a outra são conceitos que mutuamente se excluem. O que sucedeu foi uma espécie de discussão beneditina (ou peregrina) em 1991, mera formalidade destinada a fazer passar uma ilegalidade absurda, e mais tarde, em 2008, foi montado na mesma tenda de circo um espectáculo com palhaços e malabaristas fazendo seus números.

O AO90 nunca foi “legitimado”. Uma votação parlamentar sujeita a disciplina partidária não legitima uma questão de interesse nacional, sem a menor ligação com sectarismos. Ora, os deputados aprovaram a RAR 35/2008 exactamente como se estivessem a decidir mandar construir (ou não) um bairro social na Quinta da Marinha. É para isso que lá estão, fazem aquilo que os patrões mandarem os “seus” deputados fazer: levantar-se ou ficar sentados.

Outra referência citada que bateu “ao lado”, e ainda que Franchetti, com louvável prudência, tenha acrescentado “creio que” à formulação: «No Brasil, creio que sobretudo interessa às grandes editoras que publicam dicionários e livros de referência, bem como didácticos.»

Olhe que não, olhe que não. Miudezas. Na impagável expressão norte-americana, isso é “peanuts”. Ou, no não menos pitoresco “futebolês”, o que as editoras ganham à conta da cacografia brasileira é “pinotes”. Trocos, portanto. Claro que nos casos — que até já sucederam — de fusões entre grandes editoras portuguesas e brasileiras (são grandes mas não são grande coisa), bem, aí até pode ser que alguns empochem umas lecas, mas isso não é nada se comparado com os negócios fabulosos — indústrias, movimentação de capitais, especulação, exploração de matérias-primas e de mão-de-obra — que na verdade e de facto estiveram desde sempre por detrás de toda a trama, a gigantesca e fraudulenta maquinação urdida a pretexto da “língua universáu” e sob o disfarce político-diplomático a que chamaram CPLP.

Por fim, ainda uma terceira referência ao arrazoado no artigo reproduzido, desta vez uma opinião da própria autora: «interpretar o sim ao Acordo como sinal de ignorância da larga maioria dos políticos em exercício».

Bom, além das razões já aduzidas será então de contrapor uma outra opinião.

Que os políticos em geral e os deputados em particular são de uma ignorância confrangedora, pois claro, ele há verdades como punhos, sendo a parlamentar bovinidade uma das mais evidentes, mas no caso vertente o que se passou foi — como se não bastassem as gerais dificuldades na leitura e as inerentes deficiências no raciocínio — que a esmagadora votação não passou de tremenda fantochada, a função circense já referida, com o acréscimo venenoso de um truque nojento: aos deputados foi transmitida a vaga ideia (um hábito da casa) de que iriam votar, segundo as ordens dos respectivos líderes, a adesão de Timor-Leste à CPLP. Se era a isto que se referia a filósofa, ah, pois então com certeza, está carregadinha de razão, o “sim ao acordo” sucedeu precisamente por causa da “confusão” («ouve lá, sabes em que é estamos a votar? Timor na CPLP? Ah, óptimo, então não fiz confusão, eu cá levantei-me porque me mandaram mas não sabia para que raio era aquilo»).

E pronto. Foram só umas notas soltas, nada de remoques. Como poderia, com que direito, de mais a mais perante mais esta demonstração de que a teoria do cAOs já não é uma mera teoria académica. É a realidade começando a ser bem entendida.

Mentes simplex

Ana Cristina Leonardo
“Público”, 28 de Janeiro de 2022

Num dos seus momentos menos enigmáticos, escreveu Maria Gabriela Llansol: “O começo de um livro é precioso”. Se pusermos de lado todo o resto do texto de Llansol que se inicia com a frase citada — à maneira do Rousseau do Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens: “Comecemos então por afastar todos os factos, porque eles nada interessam para a questão” —, o mesmo se poderá aplicar a uma crónica.

Não podendo a crónica fugir demasiado à realidade, melhor dizendo, à “espuma dos dias”, sente-se o cronista assoberbado, ou mesmo atarantado, quando a espuma se adensa e se agiganta, qual glaciar à deriva nos mares gelados dos desertos brancos.

Naturalmente, há dois temas eternos a que pode sempre recorrer-se: a essa desgraça maior chamada Acordo Ortográfico e à beleza das amendoeiras em flor.

Sobre amendoeiras, cujos lençóis de flores foram capazes de apaziguar as saudades da neve de Gilda, a princesa nórdica que viveu em tempos que já lá vão no Al Gharb andaluz (não confundir com o Allgarve de Manuel de Pinho, o ex-ministro que mandou demolir a última morada de Almeida Garrett…), pouco haverá a acrescentar a não ser talvez que as árvores de flores brancas dão amêndoas doces e as árvores de flores rosa são amêndoas amargas.

Já sobre o Acordo Ortográfico, será curioso registar a posição dos principais partidos concorrentes às eleições de Domingo. Lembrando que a legitimação do AO passou pelo assentimento de todas as bancadas da Assembleia da República, com excepção do PCP, do PEV e de três deputados do CDS que se abstiveram (apenas votaram contra Manuel Alegre (PS), Nuno Melo e António Carlos Monteiro (CDS) e do ex-PCP, Luísa Mesquita), quase catorze anos passados sobre a aprovação da degola das consoantes mudas (e outras que foram, entretanto, emudecendo) e perante os resultados poucos famosos que tal revisão acabaria por trazer — tanto do ponto de vista da unificação, argumento maior dos acordistas, como no da ortografia tout court, com os erros a engrossarem à conta da “pronúncia culta” que passou, basicamente, a confundir-se com “a ortografia que soasse melhor”: veja-se o exemplo de espectador que passou a ‘espetador‘, novamente a espectador, havendo quem entretanto, e não são poucos, já escreva espétador… —, quem o votou acabou a lavar as mãos, como Pilatos.

Com o caos instalado, conclui-se que a maioria (PAN, IL, CDS, PSD…) diz querer avaliar o Acordo. Não deveria ser antes avaliarem-se?

À esquerda, António Costa, oracular, afirma que o AO “deve fazer o seu caminho”. Catarina Martins afirma que o “Acordo prevê, ele próprio, que haja estudos e revisões ao longo do tempo, e, portanto, se algum de nós estiver a dizer que não quer essa revisão, está a dizer que não quer o próprio Acordo”, raciocínio algo bizantino que, além de assentar numa falsidade (nada no Acordo prevê aquilo de que a deputada fala), denuncia alguma ignorância sobre o funcionamento da língua: afinal a ortografia não é como o PIB que, habitualmente, muda todos os anos. Rui Tavares afirma que o que importa é a coerência, sendo por isso muito importante o Acordo, melhorado ou não, enquanto contributo para a promoção da língua portuguesa lá fora (este desígnio promocional assente na uniformização, como toda a gente sabe, também tirou em tempos o sono aos ingleses e espanhóis: os primeiros conseguiram que shit se tornasse universal nos territórios de Sua Majestade; já os segundos tentaram, sem sucesso, impor a interjeição coño à totalidade do mundo hispânico).

Perante o estado do mundo em geral e a solenidade do nosso acto eleitoral em particular, a quem é que poderá interessar o assunto Acordo Ortográfico?
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Lusophonia

Keng teng fortuna ficah na Malaka,
Nang kereh partih bai otru tera.
Pra ki tudu jenti teng amizadi,
Kontu partih logo ficah saudadi.Ó Malaka, tera di San Francisku,
Nten otru tera ki yo kereh.
Ó Malaka undi teng sempri fresku,
Yo kereh ficah atih moreh.
Quem tem fortuna fica em Malaca,
Não quer partir para outra terra.
Por aqui toda a gente tem amizade,
Quando partir logo fica a saudade.Ó Malaca, terra de São Francisco,
Não há outra terra que eu quero.
Ó Malaca, onde tem sempre ar fresco,
Eu quero ficar até morrer.

O português de Malaca, também denominado cristão, papiá kristang ou simplesmente papia, é uma língua crioula de base portuguesa e com estrutura gramatical próxima do malaio, falado em Malaca, Malásia e Singapura. [Wikipedia]

Cada vez mais sistematicamente somos aspergidos com grossas gotas de propaganda “lusófona”, uma das matérias de intoxicação e estupidificação em massa da preferência dos acordistas. Esta espécie de bênção, que paradoxalmente lança uma maldição por sobre as cabeças de gado por eles contadas na imensa manada, visa tentar deslumbrar o gado vacum com a “iluminação” beata de um edílico império linguístico que, abreviando em extremo e em linguagem corrente, não lembraria ao careca, vulgo, ao diabo.

Presumem os auto-ordenados padres da Santa Madre Igreja dos 250 Milhões que assim procedendo, com umas ladainhas beatas e viscosas, arrebanharão cada vez mais crentes e espalharão a sua fé, a crença cega no II Império brasileiro em versão pastoral, o “milagre” re-baptizado como “língua universáu” ou, para os mais “lá de casa”, como “lusofonia”.

Fonia essa da qual os brasileirófilos expulsaram prudentemente qualquer vestígio daquilo que, apesar da limpeza étnica e do extermínio histórico-cultural concomitantes e em simultâneo, existe mesmo, de facto: a verdadeira Lusofonia, isto é, o longo, profícuo e antiquíssimo rasto que a Língua Portuguesa disseminou por todo o planeta.

Evidentemente, dado que a propaganda da CPLB acordista tem a ver unicamente com a “difusão e expansão da língua” brasileira no mundo, são metodicamente ocultados — no escabroso processo de apagamento da História — os diversos crioulos de base portuguesa principalmente no extremo-Oriente e em África: o papiamento de Aruba, Bonaire e Curaçao, o Kristáng na Malásia, o Indo-Português do Ceilão (Sri Lanka), o Português e o crioulo de Damão e de Diu (em Goa é “só” mesmo Português), a mescla que são as variantes de Tétum (Timor), os crioulos em diversas ilhas e enclaves africanos ou ainda os casos mais diversificados — também significativos — de Macau (e Hong Kong!), Cabo Verde (onde o crioulo é língua nacional), Casamansa (Senegal), Singapura, Batávia (Jakarta, Indonésia) e todos os outros que felizmente alguns linguistas portugueses persistem em identificar, estudar, divulgar e até incentivar. Isto sim, conjuntamente com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), é Lusofonia. No âmbito da qual os diversos falares dos 27 Estados brasileiros, todos eles de base portuguesa, cumprem papel, função e ordem de valores equivalentes aos de qualquer outro dos inúmeros crioulos do género que a nossa Língua gerou ao longo de cinco séculos.

A Lusofonia é, por conseguinte, um facto que rigorosamente nada tem a ver com o “gigantismo” do Brasil (clinicamente falando, uma variante de elefantíase linguística) e muito menos compreende as ânsias tardo-colonialistas e neo-imperialistas dos magnates sedentos de lucro que mandaram inventar um argumento (o AO90) para encobrir os negócios chorudos feitos à sombra da bananeira a que chamaram CPLP.

Sintomas visíveis desta ganância patológica e do inerente encobrimento por iniciativa dos políticos envolvidos são, por exemplo, a eliminação sumária — inclusivamente em discursos oficiais — de qualquer referência não só aos diversos crioulos mas também aos variadíssimos falares das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo; tudo isso passou estrategicamente a ser por eles ignorado, a bem da dita “lusofonia”, ou seja, como os crioulos não sejam mais do que umas coisinhas faladas por meia dúzia de exóticos labregos que deviam era estar “devíamos escrever todos brasileiro“: escrever e falar, é claro, que dá muito menos “trabalho”.

Enfim, a “lusofonia” (a de brincadeira) tem muito que se lhe diga. É sobre tal bizarria que rezam os dois conteúdos que se seguem: um texto laudatório enaltecendo a coisa (redigido em Português-padrão, reconheça-se esse mérito) e um “sketch” (“esquete”, em brasileiro) propagandístico tecendo loas e entoando hossanas aos “milhões” de brasileiros (mas omitem os milhões que os brasileiros já estão a empochar, olha que aborrecido).

Conclui-se de ambos, artigo e “clip”, que não sei bem o quê, e tal e tal, ah, a “expansão”, ena, a “quinta língua mais falada” em Klingon (parece), a “segunda no hemisfério” inferior do hemisférico que há no museu do Botafogo, tudo coisas assim, maravilhas, os ingleses estão raladíssimos com a “língua mais falada”, diz que Sua Alteza a Rainha até anda com insónias, o Macron vai convocar o Conselho de Guerra, em Madrid já há tumultos (“joder, qué pasa con el brasileño, coño?”), o mundo inteiro está raladíssimo com o festival de rapapés artilhados, isto do império linguístico ainda vai dar bernarda, até em Berlim já começaram a afiar as facas longas.

Perspectivas lusófonas para 2022

Jornal “O Diabo”, 13.01.22
Renato Epifânio

 

O ano de 2021 acaba novamente sob o espectro da pandemia, mas esperamos que o novo ano que aí vem seja realmente um ano de viragem – não apenas em relação à pandemia, mas também no que respeita à Lusofonia.

A esse respeito, o ano de 2021 trouxe alguns bons sinais, sobretudo com a nova Presidência da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), assumida por Angola, que reiterou o seu empenhamento na nossa Comunidade, apostando numa maior cooperação económica.

Para o avanço real da CPLP, não bastam, contudo, Portugal e Angola – e todos os demais PALOPs: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Sem esquecer Timor-Leste, o Brasil é uma peça fundamental deste tripé, deste triângulo atlântico. Tal como a União Europeia só funciona verdadeiramente com o eixo franco-alemão, também a CPLP só avança quando este triângulo está activo.
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O que é o jantar?

Finalmente, todos os partidos políticos publicaram os seus programas com vista às próximas eleições legislativas.

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Além dos dois já aqui referidos, o jornal “Público” anuncia agora que um terceiro partido também rejeita liminarmente o AO90.

Acordo Ortográfico

O Chega defende a “recusa e suspensão imediata do denominado ‘Acordo Ortográfico’ de 1990, sem possibilidade de qualquer revisão”. (“100 medidas de governo”, pág. 3)

 

O CDS pretende “reverter o Acordo Ortográfico de 1990”. (pág. 13)

Temos, portanto, que três dos concorrentes ao sufrágio de 30 de Janeiro de 2022 (PCP, CDS e Chega) manifestam claramente a intenção de pôr termo, radical e definitivamente, ao aleijão.

Curiosamente, aquele jornal apenas refere dois dos três partidos que são declaradamente contra o desacordo cacográfico e que declaram expressamente a rejeição nos seus programas, omitindo o dito jornal, por alguma estranha razão, precisamente aquele partido — o PCP — que há mais tempo tomou uma posição contra o “acordo” e que foi o único, até hoje, a apresentar um Projecto-de-Resolução específico para a revogação (anulação da entrada em vigor e rescisão do Tratado) do AO90.


PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS
Grupo Parlamentar
Projecto de Resolução N.º 1340/XIII-3ª

Recomenda o recesso de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990, acautelando medidas de acompanhamento e transição, a realização de um relatório de balanço da aplicação do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa e uma nova negociação das bases e termos de um eventual Acordo Ortográfico. [transcrição no “post” Recesso, já! (19.02.18)]


Quanto aos restantes partidos, e se bem que isso não esteja declarado no seu programa eleitoral, poderemos talvez contar ainda com a oposição do PAN ao desacordo, visto que os seus dirigentes têm manifestado total abertura a uma possível “eutanásia” do nado-morto “acordo”. Também o Partido Ecologista “Os Verdes”, em coligação com o PCP, apresentou já no Parlamento um projecto com vista a, no mínimo, que o AO90 seja suspenso.

De resto, já sabemos aquilo com que (não) podemos contar: o “centrão”, na sua pantomineira figura de Dupond e Dupont, enterrados ambos até acima do pescoço no lamaçal dos “negócios estrangeiros” (em Angola e Moçambique, principalmente), continuam inamovíveis no seu característico fingimento: dizem pela milionésima vez que a “língua universáu“, seu pretexto predilecto para o encobrimento dos negócios através da CPLB, poderá ser, quando muito, “revista“. O costume, portanto. O actual timoneiro da estatal golpada limita-se a, por entre outros lugares-comuns totalmente cheios de nada, soltar umas máximas lapidares (“o AO90 deve seguir o seu caminho” e patacoadas do género) para tentar silenciar qualquer tipo de oposição; o outro chapéu de coco opta neste caso pelo mais absoluto silêncio, contrariando o hábito de repetir o que o mano diz (“eu diria mesmo mais, repetir o que diz o mano”),

Essa rapsódia da revisão introduziu a rádio TSF num “debate” entre representantes de vários partidos e da questão em concreto deu notícia no seu “site”.

Dia de reflexão e revisão do acordo ortográfico: sim ou não?

Os líderes dos partidos políticos – à excepção de Rui Rio, do PSD, e André Ventura, do Chega, que escolheram não marcar presença no Debate da Rádio – foram chamados, esta quinta-feira, a manifestar as suas posições quanto à revisão do acordo ortográfico e à manutenção do dia de reflexão nas eleições.

[…]

“Há anos que o acordo devia estar revisto”

Quando questionados sobre uma eventual revisão do acordo ortográfico, já houve uma maior convergência entre os líderes partidários.

Inês Sousa Real defende que “sim”, deve ser revisto, uma vez que tem é havido “desacordo em relação ao acordo”, uma posição suportada também por João Cotrim de Figueiredo e por Francisco Rodrigues dos Santos, que assume esta matéria como um compromisso eleitoral do CDS.

Rui Tavares considera que o acordo pode sempre ser melhorado, e como tal, não se opõe a uma revisão, mas salienta que Portugal e os restantes países lusófonos devem preocupar-se com a coerência ente ortografias, para a promoção da língua portuguesa lá fora.

Para o PCP, já “há 16 anos que o acordo devia estar revisto”, enquanto Catarina Martins lembra que o próprio acordo já prevê que haja revisões ao longo do tempo. António Costa limita-se a afirmar que “o acordo deve fazer o seu caminho” e, quando chegar a vez de ser revisto, será, “como todos os acordos”.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado, enquanto tratado internacional, em 1990, com o objectivo de criar uma ortografia una, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa.

Em Portugal, o Conselho de Ministros aprovou, em Dezembro de 2010, a resolução que determinou a aplicação do acordo no sistema educativo português a partir o ano lectivo de 2011-2012, enquanto, a partir de 1 de Janeiro de 2012, foi aplicado ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na sua dependência, bem como a publicação em Diário da República.

Dia de reflexão e revisão do acordo ortográfico: sim ou não? (tsf.pt)

[Transcrição parcial. “Links” do original. Corrigi as gralhas em brasileiro.]

Mesmo contando com os faltosos e descontando os posicionamentos não declarados ou omitidos, pode dizer-se que são de facto muito estranhas as declarações do representante do PCP; não representa de todo a posição oficial daquele partido quanto à questão. Estranheza que é também extensível ao que diz a dirigente do PAN, se bem que não se conheça uma posição expressa desse partido.

Em geral, da imensa manada de seguidistas do “arco da governação” (incluindo penduricalhos), a apagada e vil tristeza do costume.

Esperemos, porém, agora que existem declarações por escrito de partidos que rejeitam o AO90, que todos aqueles que em tempos juraram — rasgando as vestes — votar em “qualquer partido que pretenda acabar com aquela porcaria” cumpram a jura.

Ou aquilo era só paleio a armar ao militante? Ou foi só “da boca p’ra fora”? Ou, ah, e tal, isso depende, se esse clube for o meu clube o prometido é devido, caso contrário é que não.

Lagarto, lagarto, lagarto. Digo, dragão, dragão, dragão. Oops. Se calhar enganei-me, é melhor dizer águia, águia, águia.

Longe vá o agoiro. O “português médio” é conhecido no estrangeiro (em Badajoz, para ser exacto) como pessoa honestíssima, franca, um modelo de lisura incapaz de trair aquilo a que se compromete.

Tratado de cacografia

Tanto na escrita como na fala existe um infindável anedotário no qual até altos dignitários e diplomatas, governantes, altos quadros e ministros em geral participam. O que, por conseguinte e por contraponto, em pura antítese e a título de ilustração a contrario, poderá remeter-nos de novo até ao ponto de partida, ou seja, poderá suceder que afinal escrever com os pés tenha também a ver com a língua brasileira impingida pelo AO90: o erro que resultava de ignorância passa a ser obrigatório por lei e é o próprio Estado (português) que nos impõe esse inimaginável horror.

Porém, reiteremos também, não é essa a questão ou, pelo menos, não o busílis dela. Sempre se escreveu em Portugal com os pés e sempre se falou abaixo de cão. Por excepção absoluta, a única vantagem do AO90 foi — acrescendo à galopante falência do Ensino do Português, dos bancos da escola aos anfiteatros das faculdades — pôr algumas pessoas (que nunca antes ou muito raramente se tinham metido em tais assados) a estudar, a escrever, a falar sobre o erro “de” Português. [“post” ‘Será então o cAOs‘]

Ambos os fenómenos foram activados pelo AO90, é certo, mas convém distinguir cacografia (escrita caótica, sem Ortografia) de cacofonia (sons repetitivos ou desagradáveis na fala). Ao contrário do que afirmam alguns académicos ligeiramente rançosos, nem a ortografia (escrita correcta) é um mero “código arbitrário” de representação da Língua, nem a ortoépia (modo de falar considerado como padrão) está imune à escrita; simplificando em extremo um conceito demasiadamente complexificado, a fala “referencial” determina decisivamente a escrita canónica mas a escrita também é influenciada e condicionada pelos diversos falares. Esta relação bi-unívoca e recíproca basta para demonstrar o total absurdo do AO90, evidenciando em simultâneo, por exclusão de partes, o seu carácter exclusivamente político-económico.

Ditames neo-imperialistas obscenamente inventados (a “difusão e expansão da língua” brasileira) e “regras” abstrusas como, por exemplo, “o que não se pronuncia não se escreve”, continuam a servir como álibis ou salvo-condutos para enganar analfabetos e para tentar liquidar ab ovo quaisquer objecções ao plano de anexação delineado inicialmente em 1986. Esse plano sinistro foi aqui detalhado (e retalhado) em etapas (9 a 11; 5 a 8; 1 a 4). Apenas por tópicos, podemos resumir ainda mais o que de facto sucedeu:

  1. Primeiro, inventar um problema para depois o “resolver”: nunca tinha ocorrido fosse a quem fosse qualquer “dificuldade” ou (muito menos) “erro” na escrita em Português, mas os “linguistas” e académicos a soldo encarregaram-se de apontar palavrinhas “incómodas” (nenhuma delas brasileira, claro). A isto somava-se outra invenção integral: Portugal e Brasil tinham “ortografias diferentes”, portanto havia que “unificá-las” (ou seja, substituir a norma portuguesa pela língua brasileira, mas esta parte tinha de ser ocultada a todo o custo).
  2. Segundo, ainda em 1986, ameaçar com absurdos “escandalosos” (como o “cagado de fato”) para depois fingir abolir os “escândalos” no AO90, dando assim a entender que tinham “cedido” a “protestos” e que, portanto, não apenas são muito “democratas” como a nova versão “do mal o menos” serviria perfeitamente para que os portugueses (e PALOP) engolissem a colossal patranha.
  3. Os “objectores” ficaram muito contentinhos com a sua “vitória” (de Pirro) no primeiro “round” e a opinião pública em geral — por regra, indiferentes ou indignados com “as causas supremas do futebol”) — começou a ser bombardeada com mentiras e industriada para aceitar passivamente a limpeza étnico-cultural.
  4. Na versão definitiva do AO90 (ainda não “revisto”, isso virá mais tarde), todas as alterações são imposições brasileiras; no Brasil, NENHUMA alteração, NENHUMA palavra escrita “à portuguesa” foi na escrita deles alterada; os brasileiros limitam-se a cumprir parte do acordado em 1945.
  5. O Brasil simula alterar a escrita da sua língua para fingir que “cedeu” em alguma coisa no “acordo” (por definição, tipicamente, num acordo ambas ou todas as partes cedem em algo e reivindicam outro tanto), mas todas essas “concessões” dizem respeito ao acordado 45 anos antes, num outro “acordo” que o Brasil assinou, jamais cumpriu, e denunciou unilateralmente dez anos depois, em 1955. As alterações de 1945 que fingem ser de 1990 resumem-se ao trema, a um acento nisto ou naquilo, à hifenização e pouco mais.
  6. As “contas” de Malaca&Bechara, SARI, tão aldrabadas como o próprio AO90, apontam para alterações de 1,4% e de 0,5%, respectivamente, na Língua Portuguesa e no brasileiro. Incrível ficção, claro: 100% das alterações ocorrem no Português-padrão e resultam exclusivamente, todas elas, do modo de falar dos brasileiros (os de “pronúncia culta”, dizem os vigaristas). O passo “técnico” seguinte seria, portanto, inventar justificações “técnicas” e “gramaticais” para cada uma das brasileiradas impostas.
  7. No plano estritamente político, a prioridade era tornar “legal” e obrigatório o “acordo” onde mais interessava (em Portugal, evidentemente). Muito simples: para que valesse em todos os oito países de língua oficial portuguesa, passavam a bastar três assinaturas (menos de metade dos países-membros!) e assim o AO90 entrava em vigor nos oito Estados “soberanos” (que mais tarde passaram a ser 9, com a entrada de uma ditadura de língua oficial espanhola).
  8. De Cavaco, a quem ocorreu de repente a “genial” ideia, até Sócrates, cuja “transparência” — política e até estudantil — é um dado adquirido, e passando pelo extremamente dialogante e ilustrado presidente brasileiro Lula, o processo de financiamento da golpada foi posto em marcha (as despesas correm por conta da República Portuguesa, os negócios com a CPLB para os novos bwana) e rapidamente surgiram diversas excrescências daquela “comunidade” com a missão de higienizar as mentiras, intoxicar a opinião pública e tornar irreversível a táctica do facto consumado..
  9. Extinta a organização informal mas efectiva que reunia os PALOP e “certificando” ao mesmo tempo a CPLB, o Parlamento português — mecanismo de legalização ao serviço do chamado “centrão” — seguiu quanto à “língua univérsáu” a lógica de conivência habitual: sem que a população tenha sido consultada e sem atender a quaisquer pareceres de organizações especializadas na matéria, foi imposta a disciplina de voto entre os deputados e assim entrou em vigor em Portugal o estropício.
  10. Para aprovar a RAR 35/2008 — espécie de catana do golpe –, foi utilizado um truque só aparentemente hilariante: difundiram a ideia de que o que os deputados estavam a votar era apenas e só a admissão de Timor-Leste naquilo a que chamaram CPLP (com B no fim, língua oficial brasileira, não P de portuguesa). Despachado este expediente, mera formalidade para a “adoção” da língua brasileira em Portugal (e ex-PALOP, agora PALOB), faltaria apenas acertar uns pormenores sobre a futura divisão dos lucros, isto é, a quanto virão a montar as comissões (e/ou benesses e/ou prebendas e/ou sinecuras) que tocam aos envolvidos.
  11. A abolição administrativa da Língua Portuguesa implicou no imediato a sua extinção em todos os sistemas e programas informáticos (CHCP 860) e em todas as plataformas e serviços online (Facebook, Twitter, YouTube, etc.). A substituição de Português por brasileiro sucedeu também em programas e ferramentas de trabalho (MS-Office, correctores ortográficos, dicionários), nos motores de busca (como a Google), em browsers (por exemplo, o Firefox ou o Chrome) e chegou-se mesmo ao extremo verdadeiramente criminoso de…
  12. … serem substituídos conteúdos não apenas em motores de busca (aparecem sempre resultados brasileiros à cabeça e grafar em Português é “erro”) como também, principalmente, abjectamente, conteúdos portugueses, imagens, dados, referências, tudo o que vagamente cheire a “tuga” é eliminado e em seu lugar passa a constar apenas o que for brasileiro.

A revisão do AO90, agora mais propagandeada do que nunca e colhendo o apoio de cada vez mais idiotas úteis, representa o corolário lógico daquilo que na verdade representa a stupidentsia nacional: produzem umas listinhas, adiantando serviço à em breve activa Comissão Técnica de Revisão (CTR), nas quais vão já apontando aquilo que, no seu douto parecer, consideram ser “aberrações” e “casos flagrantes”, só umas palavrinhas “a corrigir”, coisa pouca, mas tudo numa boa, hem, estamos entre gente de bem, todos amigos, do lado de cá e do lado de lá isto ele é tudo uma irmandade santa.

E então, desde que se recupere o “p” na recepção e outros “casos” de tal jaez, está tudo “anistiado”, problema nenhum, o resto do AO90 não é aberração alguma, é lá agora, sai mais uma rodada de caipirinhas.

[Imagem de topo de: Alexandre Beck, autor (brasileiro). Fotografia de ponte (Zamora, Espanha) de: Rocío Ramos.]

 

O pesadelo do Brasil

Senhor, em todo tempo, em toda idade,
Diante reis, diante emperadores,
Tiveram sempre as Musas liberdade;
Ou pera celebrar com seus louvores
Aqueles que por seus ilustres feitos
De fama vêm a ser merecedores;
Ou para reprender claro defeitos
Doutros qu’a torpes vícios entregaram
As obras, as palavras, os conceitos.
[Diogo Bernardes, Carta XXIX, 1-9 (1591)]

O núcleo deste “post”, espécie de presigo* caso se tratasse de refeição, é a mais recente entrevista de Carlos Fino — um valente sem papas na língua — ao “Diário de Notícias”. Este prato, como poderá comprovar qualquer leitor que o prove, é servido pelo escriba de serviço com os truques culinários do costume, sempre tentando realçar uma suposta condescendência do entrevistado para com as atávicas torções dos brasileiros em relação a Portugal, mai-los tradicionais insultos à nossa História com que os ditos indígenas mimoseiam amiúde os papalvos que em Portugal vergam com gosto a cerviz a qualquer enxovalho deglutido por matilhas semi-selvagens de “irmãos” e “primos” de uns quantos “pacifistas” do lado de cá. No entanto, também como de costume, nem essa desesperada tentativa de temperar a mistela consegue ao menos atenuar o travo insuportavelmente amargo da (triste, miserável) realidade: de facto, não há nada que enganar, malhar no tuga é o desporto nacional do Brasil; o futebol e o samba não passam de entretenimentos publicitários para encher os intervalos entre os espectáculos de matatuga em sessões contínuas.

Compondo o prato principal, temos como acompanhamentos (ou conduto**) dois vídeos que ilustram algumas das referências enumeradas pelo jornalista para ilustrar a sua mais do que óbvia e flagrantemente verídica tese: figuras da Corte portuguesa no Brasil transformadas em grotescas personagens de tele-novelas (a circense é a única indústria brasileira rentável); numa terceira gravação, o Professor José Hermano Saraiva lecciona uma das suas aulas televisivas, precisamente sobre aquilo que designa como “O Sonho do Brasil”. Sonho esse que agora se revela como aquilo que na verdade sempre foi — um pesadelo.

Como se não bastasse a indiferença generalizada, o encolher de ombros característico, o santo-e-senha “pronto, já está, paciência”, há uns patuscos patrícios, artistas de variedades para figuração, profissionais da escrita mercenária, intelectualóides armados em linguistas, pagos à peça, uns quantos medíocres actores e até políticos (incluindo o próprio Presidente da República) que na Tugalândia bajulam e vão ao extremo de imitar os mastins, os portadores do vírus da raiva anti-lusitana que ladram do lado de lá do Atlântico.

Reacções? Nenhuma. Um assomo de indignação? Dois séculos de nada. Vergonha na cara, ao menos? Não, parece que não há disso nos mentideros dos “notáveis”. Há por aí uma gentinha extraordinária que não admite “guerras Portugal-Brasil” mas que se delicia com prazer se for a pancadaria ao contrário; acham perfeitamente que primos bastardos lhes insultem a Mãe.

Talvez ainda hoje Bernardes e Camões tenham acertado no busílis da questão. Atribuíam no século XVI a decadência ao que então se designava como “torpes vícios”. Bem, pelo menos quanto a “obras, palavras e conceitos” estavam carregadinhos de razão.

Principalmente os “torpes vícios” dos ataviados que em Portugal obedecem à voz do dono e ronronam de gozo pelos pontapés que ele faz o favor de lhes dispensar.

*[na acepção popular do termo, prato principal]
**[na acepção popular do termo, acompanhamentos do prato principal]


″A narrativa dominante no Brasil apresenta os lusitanos como povo estrangeiro que veio para explorar e depois se foi embora″

 

Foi logo em 1822 que o Brasil começou a negar a origem portuguesa para se justificar como país ou esse afastamento foi sobretudo obra da república, para minimizar a era imperial sob a égide dos Bragança?
Leonídio Paulo Ferreira
www.dn.pt, 16.01.22

 

O afastamento começa em 1822, ainda antes da declaração da independência, quando os portugueses do Brasil, com D. Pedro e José Bonifácio à cabeça, procederam à inversão de sentido com que justificaram a separação. Aqueles mesmos que tinham sido até aí os maiores expoentes do antigo regime, apresentaram-se como vítimas da “tyraniaportugueza”, inaugurando assim – como escreveu Eduardo Lourenço – “o discurso ressentido de uma nação sem pai“. Logo na primeira metade do século XIX, os liberais brasileiros, na Oposição, começaram também a criticar “os males que vinham do passado” – absolutismo monárquico, centralização política, escravatura… Desta forma, o passado herdado pela independência deixou de ser considerado herança benigna – como defendia Varnhagen, pai da historiografia brasileira – para se transformar num pesado fardo. A partir de 1889, a república agravou tudo – sobretudo no período jacobino, quando os portugueses passaram de parentes próximos a inimigos. Num contexto de intensa disputa pelo mercado de trabalho, em que os imigrantes ocupavam o lugar dos escravos, os lusitanos foram apontados como culpados de todos os males imputados à monarquia. Em mensagem ao presidente Floriano Peixoto, que cortou relações com Portugal, o clube dos jacobinos de São Paulo prometia combater os estrangeiros “especialmente os portugueses, raça inferior, povo refractário ao progresso, nosso inimigo de todas as épocas, causador de todos os nossos males e do nosso atraso!” Foi a república aliás, que – 100 anos depois da independência – criou Tiradentes. Ele tinha a seu favor a data de nascimento – 21 de Abril, convenientemente um dia antes do aniversário da chegada de Cabral, que se queria apagar.
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