«É veneno que me nego a tomar!» [J. A. de Sousa, “abola.pt”]

ABOLA_logoChá e biscoitos

17:23 – 28-08-2015
José Antunes de Sousa

 

(…)

Repito: tudo o que vive só sobrevive como diferença e o que se descaracteriza morre – como a Língua. E este (des)acordo ortográfico (ainda não encontrei um único académico brasileiro que seja favorável a esta aberração), ao descaracterizar a nossa Língua, amputando-a do alimento significativo das suas raízes greco-latinas, colocou esse corpo vivo à mercê dos ventos erosivos e estiolantes da indiferencialidade – que é, como se sabe, o clima raso e típico do cemitério. Se há certeza que posso exibir é essa precisamente: esse é veneno que me nego a tomar!

A propósito da Língua, seja-me permitido dar conta do inspirado suspiro de um admirável poeta brasileiro que tem a generosidade de me dispensar a sua honrosa amizade, José Santiago Naud: «A Língua Portuguesa tem dois montes/e um oceano no meio./Camões,/Pessoa e Drummond/me deram a chave para ser/- se não um poeta bom,/poeta no mundo./Falo.». Dois montes gigantes a espreitar o mundo todo, ligados pelas águas épicas do sonho universalista de Camões!

Eu me confesso: eu não quero este futebol em que o instrumento artístico dominante é o apito nem este acordo ortográfico ao jeito do Google! Insuportável cacofonia! E perigosa miopia!

Brasília, 26 de Agosto de 2015

José Antunes de Sousa é doutorado em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa e Professor Visitante na Universidade de Brasília

Excerto de “Chá e Biscoitos” – abola.pt, 28.08.15

Para memória… passada

treuzeExtraordinário documento, este, ainda mais claro do que o anterior, da mesma particular saga. Muito provavelmente, quem ler este artigo — a começar pelo título, que promete — andará aos saltos, de parágrafo em parágrafo, murmurando lá com os seus botões “é agora, é desta que o homem fala do acordo”. E fala, realmente, mas não é desse, do ortográfico, é de outro, é de outra coisa. Sobre o “acordo ortográfico” propriamente dito, bem, nada, nem uma palavra. Ele é o “valor económico” da Língua, ele é a “mina”, o “capital”, o “metal raro”, a “valia estratégica” que é a Língua, ele é o “capital” que se “deprecia” (o que pode levar à “ruína total”) e da qual “nada ganhamos” se não sei quem “decide errado”.

Espantoso, de facto. Isto não é sobre especulação bolsista, não trata de questões cambiais, não se refere a tratados comerciais — mas parece!

Este arrazoado diz muito pelo que lá está, mas diz ainda mais pelo que… não diz, pelo que jamais menciona, sequer vagamente, à tangente ou por mero acaso. Eloquente, portanto, muito mais pela floresta que esconde do que pelo eucalipto que descreve.

A soberania contra a língua

José Ribeiro e Castro

29/08/2015 – 06:41

Não podemos ter Assembleia da República, Governo e Presidente contra interesses fundamentais e recursos preciosos do nosso país.

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1. Quem dispõe de um capital estratégico nunca o deve desvalorizar. O que significa que esse capital deve ser defendido e preservado mesmo antes de desenvolver a plenitude do seu potencial. Quem descobre uma mina de um metal raro não deve vendê-la ao desbarato por não dispor ainda dos recursos ou da tecnologia para a explorar ou antes de chegar o tempo em que a descoberta atinge a plenitude do seu valor social e económico, utilidade e importância.

Nem deve, igualmente, valorizar, entretanto, produtos ou matérias-primas de terceiros que concorram, na actualidade ou no futuro, com aquele metal raro, assim diminuindo o seu valor e importância. Quem dispõe de um capital estratégico deve preservá-lo ciosamente e valorizá-lo com inteligência, em cada oportunidade.

É assim com a Língua Portuguesa: já constitui, hoje, um nosso capital e recurso estratégico de primeira grandeza; mas é ainda muito mais poderoso e relevante, olhando ao futuro. O Português é uma das grandes línguas da globalização: é a terceira língua do Ocidente, a terceira língua europeia mais falada no mundo, a terceira língua das Américas, a terceira língua de África, uma língua do Oriente, uma língua internacional e intercontinental, língua oficial presente em todos os cinco continentes (emparceirando apenas com o Inglês), a língua mais falada do Hemisfério Sul. E é uma língua a crescer, enquanto outras decaem: a crescer demograficamente, a crescer na curiosidade e procura, a crescer na internet. É pujante: hoje, somos 250 milhões; já 350 a 400 no final do século.

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Uma história (muito) mal contada [X]

msgtag1575dias«São extraordinários, disse Craft baixo a Carlos, procurando o chapéu. Desorganizam-me, preciso ar!…»
“Os Maias”, Eça de Queirós

Trapalhada na Hora

A “Empresa na Hora” foi uma coisa muito engraçada que José Sócrates, um dos espíritos mais “nas horas” que havia (por exemplo) em 2006, se lembrou de inventar absolutamente de raiz e sozinho e tudo. A ideia dele, digo eu, a julgar pela designação da coisa, seria com certeza tornar possível a qualquer cidadão criar uma empresa numa hora e, melhor ainda, não há cá maçadas, bastava o cidadão-futuro-empresário dizer a sua expectante consorte, olha, Maria, eu vou só ali criar uma empresa e já volto. E assim como a “Empresa na Hora”, seguindo a mesma lógica de um mínimo de formalidades imediatas para um máximo de complicações futuras, foi também lançada a “Associação na Hora“, dando provimento ao caso de a alguém dar na veneta tornar-se de repente já não empresário mas antes dirigente associativo, ou assim. Não me consta que tenha sido criada a “Tertúlia na Hora” ou o “Clube de Futebol na Hora”, apenas para citar dois exemplos de coisas que a qualquer um pode apetecer fundar expeditamente, mas não percamos a esperança, estas duas outras ferramentas de “e-gov” estarão certamente ao dispor dos portugueses em breve.

Isto para explicar a situação ligeiramente problemática, ou de grande entalanço, vá, em que nos achámos a certa altura, e a forma de que alguém se lembrou para sair dela: como nenhuma entidade se chegou à frente para patrocinar e encabeçar a ILC, pois, porque não, toca a criar nós mesmos a nossa própria Associação para o efeito: vamos ali à “Associação na Hora” e pronto, está feito, já temos entidade, assim sim, vai correr bem.

Correu mal. Ui, mas que mal aquilo correu, valha-me Deus!

As chatices começaram logo pelo nome da dita “Associação”. Nestas coisas que teoricamente são feitas “na Hora” há umas listas de nomes à escolha, não é chegar lá e dizer “olhe, fazia o favor de tomar nota, a nossa Associação vai chamar-se Assim ou Assado”. Ora, as listas de designações não são infinitas, por um lado, e não se pode repetir (evidentemente) um nome já registado. Portanto, seleccionadas das designações que restavam as muito poucas que poderiam ter alguma coisa a ver com uma ILC contra o AO90, dispúnhamos de 4 ou 5 nomes “à escolha”.

Nessa altura, o grupo de “promotores” ainda era relativamente grande e as decisões eram tomadas por votação, o que significa, para abreviar uma possível longa dissertação sobre a matéria, que muito raramente se conseguia decidir fosse o que fosse em tempo útil e muito menos a contento de todos; formavam-se grupinhos dentro do grupo, havia manobras de pressão, birras, discussões, intrigas a granel. A designação que ganhou a votação foi esta coisa extraordinária: “Associação Lusófona Capítulo da Palavra”. Sim, bem sei, é um horror, mas, parafraseando a Teresa do “Big Brother”, isso agora não interessa nada.

Bom, pronto, siga, isto é uma democracia, lá fomos nós, uma delegação de três, vira à direita, vira à esquerda, até à Rua Augusto Pina (se bem me lembro), levávamos um dossier com os estatutos e demais papelada necessária, incluindo o respectivo chequezinho, ora cá está, número 21, é aqui mesmo: “FECHADO”. Azar, tínhamos chegado 5 minutos tarde demais.

Abençoados 5 minutos. É nas dificuldades que se vêem os amigos, lá se diz no lugar-comum, que é um sítio onde por vezes se dizem coisas acertadas. Aquele grupo de “promotores” da ILC  acabou por se desfazer, as zangazinhas agudizaram-se, as intrigas — que são minas com retardador — deram cabo daquilo tudo em poucos dias, a maior parte dos “promotores” desapareceu sem deixar rasto; alguns lá terão  regressado às suas cadernetas de “causas”, imagino, e pelo menos um foi a correr fundar o seu próprio grupo no Fakebook, que é óptimo, como sabemos, para virtualmente fundar tudo e mais alguma coisa “na hora”.

Existem afinal imensos sistemas destes, o Primeiro-Ministro de 2005 a 2011 apenas atirou mais dois para o barulho, na verdade ele há de tudo “na hora”.

Até há processos mentais “na hora”. Tomando de empréstimo a ideia de Miguel Esteves Cardoso, que “descobriu” os DAQOMPEB*,  nós temos, nas hostes ditas anti-AO90, os AETECI: pessoas que dizem “Ah, E Tal, Eu Cá Ignoro (o acordo ortográfico)”.

Um exemplo na Internet: «Por isso, NUNCA hei-de adoptar esta última versão do acordo.»

Ou centenas de exemplos na Internet: “ignoro o acordo ortográfico“.

Os AETECI dizem (e escrevem) umas coisinhas assim, acham-se o máximo, assunto arrumado, não se fala mais nisso, se eu ignoro o AO então o AO não existe. Alguns chegam ao ponto de preceder tão lapidares pichagens verbais com uma recomendação não menos lapidar: “façam como eu”. Ou seja, “façam como eu, ignorem o AO e pronto”. A sério. Já li muito disto, por aí, dezenas, centenas de vezes.

Um processo mental “na hora”, de facto: qualquer problema resolve-se, extingue-se por si mesmo quando simplesmente é ignorado. “Raciocínio” brilhante, não? Como dizia o velho Craft, estes portugueses “são extraordinários” e desorganizam mesmo, tornam-se até sufocantes, quando não hilariantes — os seus rasgos de inteligência… na hora. Claro que é incomparavelmente mais fácil passar o tempo a coçar a micose** e a debitar umas larachas do que a fazer alguma coisinha de útil ou prático. Quantos dos AETECI poderiam ter subscrito a ILC e não o fizeram apenas por puro comodismo, por simples preguiça? Quantas pessoas terão deixado de assinar o papel por terem lido as inúmeras pichagens dos AETECI apelando à “ignorância”?

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Bravata

logo_shareA bravata serôdia contra o Português

José Ribeiro e Castro

25/08/2015 – 04:19

É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído.

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1. Não há coisa mais serôdia do que a negligência na defesa e afirmação da nossa língua, a ignorância e desvalorização do capital estratégico que constitui. É um velho atavismo da generalidade dos dirigentes nacionais e muitas elites, fruto de um misto de desleixo e pouco estudo, complexo de inferioridade e deslumbramento com “Ah!… Lá fora!”. Um tique da bem retratada aristocracia decadente que vive de rendimentos, comendo o património herdado de antepassados, delapidado a pedaços ou por grandes atacados. Até ficar sem nada; mas sempre soberba e altiva.

Os ataques e bravatas que têm desferido contra o Português e o seu valor não são “pseudo” — oxalá fossem. São reais e deixam marca e rasto. E onde mais se têm sucedido é no quadro da União Europeia, em que as autoridades portuguesas e seus representantes — os lusófonos europeus — se têm distinguido como os lusófonos mais incompetentes e desmazelados de que há conhecimento e registo em todo o mundo: angolanos, brasileiros, tantos outros, timorenses até, dão-nos lições a perder de vista.

Conheço-o bem, pois desde há anos que me envolvo porfiadamente nestes trabalhos. É no quadro europeu que, paradoxalmente, a afirmação internacional do Português não só não avança, como mais tem recuado e decaído. E digo “paradoxo”, porque a incúria dolosa de dirigentes e elites é feita, inclusive, contra os tratados europeus e suas garantias: não só desperdiçam oportunidades, como desmontam os pilares. Nem o alerta do Embaixador Seixas da Costa, prevenindo há dois anos contra que o “Português vai desaparecer como língua de trabalho na UE” [PÚBLICO, 1.Fev.2013], mudou o que quer que fosse na nossa política europeia e na diplomacia. O ramerrame assaloiado tem prosseguido, garboso.

2. As cedências e abandonos dos nossos representantes vêm normalmente embrulhadas em grandes enredos, pois só enredados em fantasias e confusões é possível atentar contra os próprios interesses — e, às vezes, contra direitos. É o caso da “patente europeia de efeito unitário” e, agora, do Tribunal Unificado de Patentes, em que a nossa língua foi de novo atropelada, agora debaixo da afirmação de uma troika linguística: Alemão, Francês e Inglês.

Olhando logo ao plano simbólico, como fica a nossa língua (a tão glosada “terceira língua europeia”), se, fixando-se três línguas europeias oficiais, o Português não estiver nessas três? Nem sequer quando se definem cinco, ou sequer quando se escolhem seis?

Argumentar que não tem importância, pois “a ideia inicial foi sempre a de propor como única língua de trabalho o Inglês”, é confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. Se se tivesse adoptado o regime English only (só Inglês) ou English always (Inglês sempre, isto é, qualquer outra língua, acompanhada de tradução inglesa com validade oficial), o quadro seria radicalmente diferente do estabelecido. Uma coisa é, onde não puder ser de outro modo, transigir com o Inglês como língua franca, língua veicular contemporânea para todos; outra coisa, completamente diferente, é escolher umas línguas e excluir outras, assim consagrando impérios linguísticos particulares e instalando a discriminação. Foi isto, não aquilo, que foi consagrado. Agora no regime de Munique, como anteriormente no regime de Alicante, ambos são pura e simples desigualdade.

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“Acordem”?

Tropecei neste artigo por mero acaso. Não frequento os covis infectos do Fakebook onde, à mistura com má-língua, se propagam coisas esotéricas e reservadas, pelos vistos, a quem vive em bairros como o do Restelo ou da Quinta da Marinha, pelo que realmente só quando calha apanho notícias sobre o AO90 em alguns órgãos de comunicação socia…lite. O militantemente acordista “Observador”, comandado por uma série de gulosos (além de acordistas) que só querem é dinheiro, não aparece em pesquisas automáticas ou em “alerts” do Google.

Extirpei da transcrição duas coisas: a (descarada) propaganda a uma candidatura presidencial e as referências a uma iniciativa (olha que grande coincidência na designação, hem, ele há coisas espantosas) com a qual não concordo mas que também não combato, ao contrário do que sempre fez com a ILC o canalha que dirige a dita iniciativa.

Bem, nada de mais, o que vale é ser este um blog pessoal que ninguém lê. Felizmente.

 

 

Acordem os candidatos!

Se eu fosse jornalista, a primeira pergunta que formularia a qualquer dos candidatos ao Governo ou à Presidência da República seria: Qual a sua posição em relação ao novo acordo ortográfico?

Carlos Queiroz, poeta esquecido, sobrinho da namorada do Pessoa, dirigiu uma revista chamada Litoral (número 3, Agosto-Setembro, 1944), onde li há tempos, num artigo assinado por Augusto Saraiva, esta ideia tão limpidamente formulada: a moeda e a palavra são instrumentos de permuta social.

Vem isto a propósito deste novo acordo ortográfico, que resulta, como é sabido, de uma manobra infeliz de múltiplos governos, desde 1990 até agora – se deixarmos de lado os antecedentes.

Resumindo: uma coisa são os ajustes resultantes da evolução natural da língua, o que ocorreu algumas vezes ao longo do tempo; outra, bem diferente, é promover um ardiloso “acordo” ortográfico que se substitua ao vazio,  por falta de meios, de uma autêntica e séria política da língua portuguesa, à semelhança do que outros países europeus fazem há muito, com profissionalismo e sem truques demagógicos.

Refiro-me, é claro, a um investimento empenhado na presença,  ensino e difusão do nosso idioma no Mundo, através, nomeadamente, do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

Mais: parece ignorar-se que, em todos os lugares onde se fala português, as palavras variam com o léxico e a semântica, entre outras dimensões constituintes da língua, sem prejuízo de entendimento entre africanos, brasileiros e portugueses.

Dos povos a que se destinava este acordo meramente mercantil, foram os africanos, sem dúvida alguma, os que mais sabiamente o criticaram, mais ou menos nestes termos, antes de o rejeitarem liminarmente: é conveniente que Portugal conserve viva a matriz da língua portuguesa e mantenha a memória dessa matriz na sua ortografia, até como ponto de referência para as variantes do português que noutros países estão ainda num processo de evolução muito recente – chapeau!

Quanto aos restantes, curiosamente, ratificaram mas não implementaram o acordo. Acresce que, no Brasil, decorre neste momento um movimento de recolha de assinaturas para fazer o AO voltar atrás no Senado.

Não, não é só de meia dúzia de alterações significativas da Língua que temos medo – como diz e escarnece de nós o acordista cobarde, chamando-nos tradicionalistas histéricos, para ver se caímos no ridículo aos olhos da população. Temos, sobretudo, medo de que esta lei não retroceda por teima do Estado Português, para não perder a face que já perdeu, numa birra do tipo “está feito, está feito”, quando feito está quem, além de perder a soberania da moeda – de consequências ainda questionadas – se prepara agora para ceder, idiotamente, a soberania da palavra.

Que acordem os candidatos!

(…)

Já sei e estou descansada.

Na verdade, não me passaria pela cabeça apoiar alguém que seguisse o novo acordo ortográfico, por entender que isso seria uma ofensa, e grave, à nossa Língua, tratando-se de um acordo oportunista e de uma candidatura ao mais alto lugar de representação da República Portuguesa.

(…)

A meu ver, nenhum candidato  deverá escapar a esta questão, e, se não souber esclarecê-la, que trate rapidamente de se informar e definir, se quer ser levado a sério pelo eleitorado.

Sabem? A ideia de uma língua portuguesa assim “unificada” lembra-me aquele slogan do tempo do colonialismo, “Cada terra com o seu uso, todas, todas, com Sical!”

(…)

Transcrição parcial de “Acordem os candidatos” – Observador, 23.05.15.