Calçada à brasileira

“Calçadão” do Rio de Janeiro (Brasil)

A suprema patranha geralmente atrelada ao “acordo”, isto é, que a coisa serviria — entre outras não menores artistices — para elevar a “língua portuguesa” à “dignidade” de “língua oficial da Organização das Nações Unidas”, conta agora com o alto patrocínio do não menos alto magistrado cá da “terrinha”, como ternurentamente chamam os brasileiros a Portugal.
A “variante portuguesa” da língua brasileira foi já totalmente eliminada dos sistemas informáticos em geral e foi em particular exterminada nos motores de busca (Google), em todos os bancos de dados, agregadores de informação ou enciclopédias virtuais (Wikipedia).
Por conseguinte, apenas um perfeito imbecil poderá ter a mais ínfima dúvida sobre qual seria a 7.ª língua oficial da ONU, no improvável caso de americanos, ingleses, russos, espanhóis, franceses, chineses e árabes estarem pelos ajustes: caso vingue o “cambalacho”, será a língua brasileira, pois qual é a dúvida, essa “língua” que Marcelo e outros que tal andam por aí a promover com o rótulo de “portuguesa”.
[O brasileiro será a 7.ª língua oficial da ONU?]

No que respeita à expressão “língua portuguesa”, na mesma frase, é igualmente evidente que se trata de apropriação abusiva da designação para fins de promoção política da língua brasileira.
Foi aliás nesse mesmo pressuposto, isto é, assumindo que a “difusão e expansão” daquela língua — com a patine de um idioma europeu de raiz greco-latina — seria impossível caso fosse utilizada a palavra “brasileira” em vez de “portuguesa”.
O que importa, no caso, é que já não basta aos acordistas e neo-imperialistas tugas substituir a Língua Portuguesa pelo “fálá” brasileiro (a língua brasileira procura ser uma transcrição fonética “simplificada”); já não basta que o #AO90 tenha sido imposto manu militari a Portugal e, como segundo objectivo, aos PALOP, com 100% de imposições brasileiras e 100% de subjugação dos tugas que negociaram a venda da nossa Língua. Não, todo esse imenso cortejo de horrores já não satisfaz os vendilhões, os novos donos disto tudo. Querem ainda mais.
[Brasileiro foi língua líder em exame de acesso a universidades dos EUA em 2023]

Pelo menos, passará a dispor de uma outra perspectiva — sistemática e geralmente silenciada, porque inconveniente — de que não foi apenas de uma forma que o #AO90 chegou ao extremo de abuso, de usurpação, de liquidação sistemática do património imaterial português, de destruição da nossa herança histórica e do nosso mais precioso tesouro identitário.
[Resíduos tóxicos]

OPINIÃO

Um futuro para a língua portuguesa brasileira

Ana Paula Laborinho

Na Cimeira da CPLP, realizada em Agosto passado em São Tomé e Príncipe, o presidente Lula da Silva declarou que era tempo de o português brasileiro ser língua oficial das Nações Unidas e os países deveriam, em conjunto, desenvolver esforços nesse sentido. Trata-se de uma ambição há muito enunciada, mas importa considerar que esta declaração do presidente do Brasil se insere numa estratégia mais global que decorre do regresso à cena internacional e ao diálogo multilateral, que tem na língua uma relevante componente.

Há menos de uma semana, o jornalista brasileiro Jamil Chade publicou no portal Vozes uma notícia intitulada Brasil lança ofensiva diplomática para promover o português brasileiro no mundo, informando que, de acordo com fontes do Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores), a partir de 2023, esta estratégia passou a ser “uma das linhas prioritárias do Programa de Diplomacia Cultural do Instituto Guimarães Rosa (congénere do Instituto Camões), e acrescenta que “sendo o português brasileiro uma das línguas mais faladas no hemisfério sul, seu lugar no mundo faz parte do reposicionamento do país no debate internacional, principalmente depois de quatro anos de isolamento”.

Também o discurso do presidente Lula da Silva na abertura da 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, no passado dia 19 de Setembro, centrado na urgência de combater a desigualdade, a fome e alertando para o agravamento da crise climática, insiste neste regresso à comunidade internacional: “Nosso país está de volta para dar a sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais. Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos.”

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Univerçidadji

«Estudantes brasileiros que já tenham o estatuto de igualdade antes de se candidatarem às Universidades portuguesas – Têm direito a aceder ao ensino por via do regime geral de acesso em igualdade de direitos com os portugueses e, nessa medida, pagar a mesma propina devida pelos estudantes portugueses.»
[Núbia Nascimento Alves, advogada]

São Estudantes Nacionais ou Equiparados:
  1. Os Estudantes de nacionalidade portuguesa.
  2. Os nacionais de um estado membro da União Europeia (UE).
  3. Os nacionais de um estado membro da União Europeia (UE).
  4. Os familiares de portugueses ou de nacionais de um Estado membro da UE, independentemente da sua nacionalidade.
  5. Os que sejam beneficiários, em 1 de Janeiro do ano em que pretendem ingressar no ensino superior, de estatuto de igualdade de direitos e deveres atribuído ao abrigo de tratado internacional outorgado entre o Estado Português e o Estado de que são nacionais.
  6. Os cidadãos estrangeiros que ingressem no ensino superior português ao abrigo dos Regimes Especiais de acesso, no âmbito do Concurso Nacional de Acesso:
    a. Cidadãos de países africanos de expressão portuguesa;
    b. Naturais e filhos de naturais de Timor Leste;
    c. Funcionários estrangeiros de missão diplomática acreditada em Portugal e seus familiares aqui residentes, em regime de reciprocidade.
  7. Os estudantes de mobilidade internacional, ao abrigo de um acordo de intercâmbio com esse objectivo. [fonte: Universidade de Coimbra]

No ano lectivo de 2021-2022 havia 70.000 estudantes estrangeiros em Portugal. Destes, caso alguém acredite ainda no que dizem as entidades oficiais, 18.900 eram brasileiros; portanto, mesmo fingindo que é sério aquele número de prestidigitação algébrica (sempre “desactualizada”, atrasada porque coxa), 27% do total eram provenientes do Brasil.

No despacho da agência Brasilusa agora transcrito, este publicado pelo “Jornal Económico” — à semelhança de todos os outros jornais e canais de desinformação portugueses (ver imagem no fim do post) –, logo no título da “notícia” surge um dos substantivos favoritos dos brasileiristas: “lusófonos”.

E tão “ternurento” adjectivo colectivo — que já é substantivo, “para facilitar” a designação genérica do gado brasileirofónico — serve na perfeição para (tentar) tapar a boca a algum português assim mais para o céptico que porventura se dê à maçada de confrontar com a realidade as patranhas que debitam todos os “estudantes” brasileiros e seus dirigentes, os lacaios brasileiristas das entidades oficiais e os próprios “jornalistas” da agência de desinformação tuga-zuca.

  1. «um desses problemas é o facto de “as propinas dos estudantes internacionais serem o dobro das dos nacionais”.»
    Tremenda galga, é claro; basta ver o quadro acima, sobre o que “São Estudantes Nacionais ou Equiparados”. Qual dos “estudantes” brasileiros, se é que houve algum, não requereu online ou presencialmente o famoso Estatuto de Igualdade?
  2. «Muitos estudantes vêm até nós por causa do estatuto de igualdade de direitos, o que em muitos locais de Portugal ainda não é 100% agilizado»
    O choradinho do costume; aliás, os “estudantes” brasileiros são especialistas em vitimizar-se por sistema; o seu objectivo, evidentemente, é obterem ainda mais privilégios e prerrogativas (o alojamento gratuito é já a seguir? E as passagens aéreas, assim com’assim, não?) ou, de resto, seja o que for que estiver vedado aos estudantes portugueses. Como se vê, a táctica da vitimização resulta; isto é um dos resultados das “queixas” deles.
  3. «O vice-presidente da Associação dos Estudantes Africanos em Bragança, Belmiro Zaqueu, disse por seu lado que “alguns dos estudantes não têm conseguido aguentar” as despesas, em que se inclui a propina.»
    Isto, mais uma vez, é pura intoxicação desinformativa. O indivíduo estava a referir-se às propinas que os estudantes dos PALOP pagam, se não receberem quaisquer subsídios, e que, essas sim, obedecem às mesmas tabelas de custos dos estudantes portugueses. Isto resulta perfeitamente claro na definição de quem “São Estudantes Nacionais ou Equiparados” (ver quadro acima). Enfiarem um africano no meio das lamúrias brasileirescas não passa de tremenda golpada propagandística. Mais uma.
  4. «a propina está fixada em cerca de 680 euros para os nacionais e ronda os 1.316 euros para os alunos internacionais»
    Mentir descaradamente com… a verdade. De facto, os valores indicados são os correctos… mas: os brasileiros, para todos os efeitos, nos termos da lei vigente, foram equiparados aos estudantes nacionais. Estudantes internacionais — como aliás desde sempre sucede em qualquer país do mundo — são, evidentemente, os que, sendo estudantes, permanecem num país diferente daquele de que são cidadãos e, portanto, não adquiriram a nacionalidade do país para o qual emigraram ou não estão abrangidos por qualquer protocolo/tratado de equiparação. Os brasileiros têm tudo isso, nacionalidade, estatuto e protocolos específicos de excepção.

É fartar, vilanagem! Aos “estudantes” brasileiros está reservada ainda outra prerrogativa “muintu légau, viu?” Já cá se sabia que nem precisam de exame de acesso nem nada, basta-lhes o diploma (de momento não me ocorre como se diz “diploma” em brasileiro) do ENEM. Ui! O ENEM, que horror! Essa coisa dificílima, equivalente ao nosso 12.º Ano. Ah, realmente, coitadinhos, têm imensa razão de queixa.

Porém, lá está, isto ele há-de haver montes de gente no Ministério da Deseducação sempre raladíssima com os problemas dos ditos coitadinhos: se nem o tal diploma do ENEM obtiveram, num tem pobrema, agora até podem fazer o examezito online, sem maçadas nem deslocações nem despesas nem nada. O camaradjinha da gravação vídeo, Reitor da U.B.I., explica tudo direitchinhu.

Alunos lusófonos em Bragança queixam-se do valor da propina e do preço das casas

Estudantes lusófonos do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) queixaram-se hoje do valor das propinas, que são quase o dobro das dos alunos nacionais, e dos preços do alojamento, que dizem contribuir para o abandono escolar.

“Jornal Económico”, 26.09.23

Estudantes lusófonos do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) queixaram-se hoje do valor das propinas, que são quase o dobro das dos alunos nacionais, e dos preços do alojamento, que dizem contribuir para o abandono escolar.

Dos cerca de 10 mil alunos da instituição transmontana, perto de 3.600 são estrangeiros, oriundos de mais de 50 países, sendo os de língua portuguesa os de maior expressão.

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‘Os deuses devem estar loucos’

«O nosso grande problema na Galiza é a imposição, culturalmente terrorista, de grafar o galego em castelhano; em paralelo a isso, está a concepção imposta polo poder espanhol e os seus sequazes de que a nossa Língua é um idioma menor reduzido a quatro províncias espanholas e que deve estar sempre subordinado ao castelhano. Nesse contexto, reivindicar a universalidade da língua e mencionar o Rio de Janeiro é compreensível.»

Permito-me discordar, caro José Tápia, da referência que fez o deputado galego à capital turística do Brasil, misturando o Rio com Coimbra, Luanda e Díli. Ainda que a discordância incida apenas neste único ponto, o qual, na minha opinião, é absolutamente fundamental, parece-me oportuno ao menos tentar esclarecer aquilo em que se baseia a discordância e, de caminho, deixar claro que afinal estamos todos do mesmo lado: como muitíssimo bem resume o José, trata-se da “nossa língua” e, portanto, há que defendê-la, seja do imperialismo castelhano, seja do imperialismo brasileirista.

De facto, a pretensa “universalidade da língua” — de qualquer Língua, aliás, à excepção daquela que em determinada época histórica e contexto geográfico funcione como língua franca — constituiu o “argumento” basilar da imposição da chamada “língua universau” brasileira; foi a essa efabulação que se encostaram os brasileiristas gananciosos daqui e os gananciosos brasileiros de lá para tentar impingir o inenarrável “acordo” a Portugal e aos PALOP. [post “A Língua Galega no Congresso Nacional de Espanha”]

O inacreditável artigalho que abaixo se transcreve, debitado por um neo-imperialista assumido, presta-se a um exercício que, além de tristemente cómico, qualquer pessoa pode executar com a maior das facilidades; trata-se, ao estilo das corrigendas, de substituir mentalmente uma coisa por outra: “onde se lê X leia-se Y”.

  1. Onde se lê “Galiza” leia-se Portugal.
  2. Em certos casos, onde se lê “o Galego é” (ou “a Língua Galega é”) leia-se o Português é (ou a Língua Portuguesa é).
  3. Em certos casos, onde se lê “português” (ou “língua portuguesa”) leia-se brasileiro (ou língua brasileira).
  4. Onde se lê CPLP leia-se CPLB.
  5. Em certos casos, onde se lê “castelhano” leia-se brasileiro.
  6. Em certos casos, onde se lê “Estado espanhol” leia-se Estado brasileiro.

Outro exercício interessante — e com não menos piada — será catar no texto do cavalheiro as diversas formas do verbo “falar”, incluindo adjectivações e formas substantivas: fala, falamos, falada, falantes etc. A este doutorando em “estudos linguísticos” na Universidade da Corunha (mas que extraordinária coincidência) parece ser completamente estranho o conceito de… escrita.

Bem, atendendo a quem é este “investigador”, o fenómeno é de certa forma compreensível: a desortografia da língua brasileira consiste basicamente em, sem ter de aprender o “código” de transcrição fonética, escrever (mais ou menos) como se fala. Talvez o senhor ande nas aulas da “escola” das “línguas minoritárias”; ou então, pior ainda — mas muito mais provável — julgue que, no fundo, no fundo, essa maçada da escrita é um erro, aquilo das línguas ágrafas é que é bom, o Navajo, o Udi, a língua de estalidos de “Os Deuses Devem Estar Loucos”, oh, sim, oh, sim, isto ele não há nada como o paleio.

O que o Brasil ganha com a oficialização da língua galega na União Europeia?

Ajudar no reconhecimento da língua galega é também proteger a língua portuguesa como patrimônio histórico e cultural no lugar em que ela nasceu

“Le Monde Diplomatique – Brasil”, 15.09.23
Victor Hugo da Silva Vasconcellos

Em 19 de setembro de 2023, a União Europeia irá realizar um voto em relação à inclusão do catalão, do basco e do galego em seu regime linguístico. A decisão de oficializar a língua galega na UE está dividindo a região autônoma da Galiza. O motivo reside em uma discussão que já corre por mais de 40 anos sobre o galego ser ou não ser português.

A maioria da população brasileira – assim como a portuguesa – desconhece a situação linguística da Galiza, uma vez que é uma região dentro do Estado espanhol, levando a crer que sua língua seja o castelhano. Isso é uma meia verdade: a Galiza (assim como o País Basco e a Catalunha) é uma região bilíngue, isto é, além da língua de Estado (castelhano) também fala sua língua própria (galego), e ambas são oficiais na Comunidade Autônoma da Galiza. São duas as grandes questões que atravessam a sociedade galega: a) o desaparecimento gradual de sua língua própria; b) se o galego é português ou uma língua autônoma.

Bandeira de Estado da Comunidade Autônoma da Galiza, região da Espanha onde se fala a língua galega (Wikimedia Commons)

A primeira questão é muito séria e vem preocupando a Galiza há décadas. Uma pesquisa feita pelo Instituto Galego de Estatísticas (IGE), em 2018, apontou que apenas 30% da população galega fala galego diariamente. O mais assustador é que a faixa etária que mais fala (75%) é composta por pessoas acima de 60 anos; e a faixa etária que menos fala (25%) é composta por crianças de até 15 anos. Desse modo, o risco de a língua ser totalmente substituída pelo castelhano é real. Isso está ocorrendo, entre outras razões, por conta da imposição da língua castelhana nos meios oficiais de comunicação. Dessa forma, o galego vem perdendo prestígio entre seus falantes, como se fosse uma língua sem utilidade.

O segundo ponto poderia ser de grande utilidade à Galiza e ao Brasil. De onde vem a língua galega? Em resumo, ela tem um passado que se funde com o da língua portuguesa. Sim, elas foram a mesma língua por séculos, falada na Galécia (Reino da Galiza) até o século XII, momento em que o Condado de Portugal se separou do Reino da Galiza e virou o Reino de Portugal. A língua ainda continuou sendo falada nos dois reinos mesmo com a proclamação do português como língua oficial de Portugal por D. Dinis, no século XIII; e da escrita da primeira gramática da língua portuguesa por Fernão de Oliveira, no século XVI. O que ocorreu então com a língua galega?

O Reino da Galiza foi anexado à Coroa de Castela ainda no século XII, perdendo parte da sua autonomia linguística, pois a língua oficial da Coroa era o castelhano (lembrando que o latim foi língua franca na Europa aproximadamente até os séculos XV – XVI). Toda a corte galega era composta também por castelhanos que foram impondo sua língua na administração da Galiza. Até o século XIX, a porcentagem de falantes de galego era muito alta, (em torno de 90%), já que o castelhano era língua administrativa e não do povo. Mesmo sem a oficialização da língua e uma gramática própria, o galego era ensinado pela família, pela transmissão intergeracional da língua (a mesma falada no seu vizinho do sul, Portugal). Em meados do século XIX, o Reino da Galiza deixa de existir, passando a ser uma região autônoma anexada ao Reino da Espanha, mas mantendo sua extensão territorial.

Nas primeiras décadas do século XX, houve a ditadura e a perseguição à língua. Toda a proibição sobre o galego na ditadura de Franco (1939-1975) ainda gera efeitos negativos sobre a língua. Muitos pais não passaram sua língua para seus filhos, ensinando o castelhano por medo do regime autoritário. Com a oficialização da língua nas últimas décadas do século XX, criou-se uma norma e uma gramática oficial para ela.

Afinal, o galego ainda é o português?

Mesmo depois de séculos de separação, os estudos de filologia ainda o consideram como a mesma língua, mas que adotou nome e ortografia diferentes por questões políticas. Os dígrafos comuns em português nh / lh são escritos na ortografia castelhana como ñ / ll, embora tenham o mesmo som, como banho – baño / coelho – coello. Outra característica diferente é que o galego não apresenta a combinação nasal ão / ões, mas sim, ón / óns (não – non / canções – cancións) em sua fonética. Continue reading “‘Os deuses devem estar loucos’”

“Em troca de cerveja” [entrevista]

Da revista “Time Out – Lisboa” (em Português): «As melhores baladas e bares brasileiros em Lisboa»
Antecedentes

Estatuto de Igualdade

Acordo de Mobilidade

Dentistas? Check! Advogados? Check! Médicos? Check!

Puro Sangue Lusitano (cavalos)

“Bispos” e “Pastores” (seitas religiosas)

Estudantes (1, 2, 3, 4, 5)

Uma entrevista super-informal com Luís Paulo Lucas Pinto, músico (percussionista). Nasceu e viveu até à adolescência em Moçambique, veio para Portugal, como outros 800.000 (segundo algumas estimativas), durante o PREC e fez a sua carreira musical principalmente na área da Grande Lisboa, desde meados dos anos 80. Carreira essa que bem parece ter terminado (esperemos que não, é claro) há um par de anos — o que aliás sucedeu com muitos outros músicos, exactamente pelos mesmos motivos — porque é impossível concorrer (e sobreviver) com quem se oferece para tocar “em troca de cerveja”.

Aí ficam adiantadas algumas frases lapidares, o que não obsta de forma alguma a que se oiça a gravação na íntegra. O “entrevistado” diz outras coisas interessantes sobre o impacto da imigração em massa no seu (ex-) sector de actividade; na parte final da gravação, por exemplo, podemos ouvir falar de impostos, recibos verdes, empresariado tuga e, para desfecho, como se processa na prática aquilo a que os nossos governantes chamam “equilibrar as contas da segurança social”: é tudo “por baixo da mesa“.

«Consoante o tempo foi avançando, as vagas de brasileiros cada vez eram maiores. Então o que é que aconteceu? O mercado começou a ficar saturado. Já com os músicos que havia cá. Os brasileiros que vinham, que não tinham qualidade como músicos, como é que eles se intrometeram no mercado? Foi chegar às casas, aos bares, e, em troca de cerveja, portanto, tocarem o samba e…»

«Conclusão: minou o nosso mercado, nosso (portugueses, moçambicanos, angolanos, brasileiros que já cá estavam) e, portanto, nós conquistámos, os valores que nós praticávamos nessa altura, os “cachets” — que não são praticados hoje em dia — os valores que nós praticávamos quando esse fenómeno aconteceu derrubou de tal maneira o mercado de trabalho em relação aos músicos (…), isso combinado de tal maneira que ainda hoje os valores são baixíssimos.»

«Conheço um guitarrista de jazz “de top” que está a dar aulas em infantários.»

«Queria levantar aqui um parêntesis. Queria falar do oportunismo dos donos dos bares, dos comerciantes. Eles é que permitiram, para benefício próprio, eles é que permitiram isto; porque eles enchiam a casa na mesma! Pagavam cerveja! Qual metade? Pagavam cerveja!»

Dumping refers to the practice of exporting goods to a foreign country at lower prices than the price of the same goods in the exporting country’s domestic market. As a result, affordable or cheaper exported goods invade the market in the importing country.” [Wall Street Mojo]

Imagem de sambista (tuga?) a tiritar de frio de: Figueira da Foz mantém desfiles de Carnaval – “Campeão das Províncias” (campeaoprovincias.pt) [Em Portugal existem 25 “escolas de samba”.]

Quinta dos ingleses, Zeitgeist

Uma das ruínas da Quinta dos Ingleses, em Carcavelos

Sem poder pagar aluguel, brasileiras moram em barracas em Portugal

Ganham salário mínimo, mas vivem em área de ricaços. Poupam para sair de uma situação que tem sido comum em Lisboa, cidade mais cara da Europa para alugar um imóvel

Por Gian Amato
O Globo” (Brasil) – “Portugal Giro”, 20/09/2023

“Comprei logo uma de dois quartos, porque eu gosto de conforto”. É assim que Márcia Araújo, de Nova Iguaçu, começa a falar com o Portugal Giro sobre a barraca onde vive acampada em Carcavelos, região praiana de Lisboa.

Ela e a amiga Andréia Machado trabalham fazendo limpeza de apartamentos e entregando marmitas. Conseguem ganhar pouco mais de um salário mínimo € 760 (R$ 3,9 mil).

Há dois meses, no auge da inflação, desistiram de procurar um imóvel digno e individual, que pudessem pagar, e vivem de graça acampadas na Quinta dos Ingleses, endereço nobre e alvo de disputa.

São vizinhas de ricaços, que deixam os filhos para estudar ali ao lado, na Julian’sSchool, apontada como a escola privada mais cara de Portugal.

O terreno da Quinta dos Ingleses, pulmão verde da região, tem um projeto de urbanização aprovado há anos e que prevê a construção de 850 apartamentos e lojas.

Há 20 anos que a população local protesta. O empreendimento travou diante da possibilidade de destruição de 52 hectares de área verde em frente à orla.

Os campistas da quinta são elas, um casal formado por brasileira e português e, segundo as duas, outros 30 brasileiros. A maioria sem dinheiro para viver na cidade com aluguel mais caro da Europa. O dono do terreno, garantem, não incomoda.

— Além da gente, tem brasileiro acampado ou vivendo em trailer. Conheço brasileiro que vive aqui há 11 meses, outros há dois anos — contou Machado, em Portugal desde março e que afirma ter visto CPLP.

As barracas das duas são apenas a parte visível de uma saga. Chegaram como turistas e conseguiram trabalho. Difícil era viver aglomerada e pagar caro por uma cama.

— Dividia um quarto com quatro pessoas por € 230 (R$ 1,1 mil), mas quiseram aumentar para € 280 (R$ 1,4 mil). Para mim, não é vantagem pagar isso. E sem privacidade, com câmeras no corredor. Além de banheiro e cozinha comunitários — disse Álvaro.

Ela conta que chegou a viver por 11 dias em um quarto com seis pessoas, inclusive homens. Abandonou a ideia de tentar alugar um imóvel maior e individual, onde possa receber amigos. Mas só por enquanto, enquanto junta dinheiro morando de graça.

— Vou tentar juntar dinheiro porque quero alugar uma quitinete. E também não desisti de estudar gastronomia, mas não sabia que as faculdades eram tão caras — contou Álvaro, que diz ter feito manifestação de interesse via contrato de trabalho para residir em Portugal.

Machado vive em Portugal há um ano, mas passou a acampar no segundo semestre deste ano. Foi ela que convidou Álvaro e convenceu a amiga que dava para juntar dinheiro.

— Eu pagava € 400 (R$ 2 mil) por um quarto em Cascais. Mais da metade do salário mínimo. Vi uma quitinete por € 600 (R$ 3,1 mil). Mas o dono queria dois meses antecipados e caução. Dava € 1,8 mil (R$ 9,3 mil) no total e à vista. Impossível pagar (…) Fora da nossa realidade — disse Machado.

Agora, Machado quer trocar a barraca por um trailer. Diz ela que consegue comprar um por menos dinheiro do que gastaria em um imóvel:

— E será meu para sempre, ao contrário do imóvel alugado.

Machado saiu de São Paulo para trabalhar como marceneira, sua profissão há 25 anos. Mas afirma ter sido enganada por um empresário, que nem pagou o mês de trabalho:

— Aqui em Portugal, mulher na marcenaria não existe, porque os homens fecham a porta mesmo. Ele disse que teria quarto para eu ficar. Mas depois de um tempo, tive que ir para uma pousada por cinco dias ao custo de € 600 (R$ 3,1 mil).

Ambas afirmam que recebem ajuda dos clientes portugueses. Por exemplo: lavam roupa e tomam banho nas casas deles. Quando não dá, o banheiro público da praia é a saída.

[Transcrição integral, mantendo a cacografia brasileira do original brasileiro. Destaques e “links” (a verde) meus.]

Ocupas na Quinta dos Ingleses

Alberto Magalhães
“Diana FM”, 22.09.23

Situada entre a praia de Carcavelos e a linha férrea Cascais-Lisboa, a Quinta dos Ingleses faz parte das minhas recordações de juventude. Além das instalações da Marconi, enormes edifícios junto à praia, a quinta albergava um enorme pinhal e o colégio St. Julien, que emprestava o seu campo de futebol para os jogos de pais e filhos, do meu bairro na Parede, jogos que terminavam em grandes almoçaradas num dos restaurantes da praia. Chegou o 25 de Abril e, em pleno PREC (processo revolucionário em curso), os edifícios da Marconi foram ocupados por famílias carenciadas, que mudavam assim das suas barracas para instalações que, embora degradadas, lhes davam melhor abrigo e conforto.

Quase 50 anos depois, muita coisa mudou. A Universidade Nova instalou a ocidente, junto à marginal, a sua Escola de Negócios e Economia, mas em inglês claro, e parece haver planos para, substituindo o pinhal centenário onde tantas vezes passeei, construir uma mega-urbanização, que reduzirá de 52 para oito hectares o espaço verde junto à praia de Carcavelos. Mudança radical e que custa a aceitar. Mas pior, por ser sinal aziago do que se passa no país, cinco décadas depois da revolucionária ocupação, a Quinta dos Ingleses volta a acolher gente sem tecto, agora acampados em tendas e roulottes.

Ontem, o pacote “Mais Habitação” foi aprovado pela maioria socialista no Parlamento e o ministro das Finanças anunciou umas medidas que, aliviando as contas de quem tem empréstimos imobiliários a pagar, serão, segundo o Presidente da República, paliativas; e, aparentemente, o programa “Mais Habitação” poderá trazer, como efeito perverso, ainda menos habitação.

[Transcrição integral. Destaques meus. Acrescentei logótipo de St. Julian´s School.]

Fala Portugal

«A crise na habitação está atirar cada vez mais pessoas para as ruas. O Parque dos Ingleses, em Carcavelos, tem recebido novos moradores todos os dias, que se instalam com tendas ou caravanas.»

[Imagem de topo de: “Dinheiro vivo“]