‘Do abuso de autoridade’ (Feira do Livro do Porto 2018)

1. No “site” da ILC-AO denuncia-se a ocorrência

Polícia manda fechar “banca” da ILC-AO na Feira do Livro do Porto

2. A Lei 17/2003 legitima as recolhas de assinaturas e ilegaliza qualquer entrave às ILC

Artigo 5.º
Garantias
O exercício do direito de iniciativa é livre e gratuito, não podendo ser dificultada ou impedida, por qualquer entidade pública ou privada, a recolha de assinaturas e os demais actos necessários para a sua efectivação, nem dar lugar ao pagamento de quaisquer impostos ou taxas.

3. O jornal “Público” esteve no local e publicou notícia sobre o assunto

4. Do abuso de autoridade (Código Penal, Secção III)

 

Artigo 379.º
Concussão

1 – O funcionário que, no exercício das suas funções ou de poderes de facto delas decorrentes, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, receber, para si, para o Estado ou para terceiro, mediante indução em erro ou aproveitamento de erro da vítima, vantagem patrimonial que lhe não seja devida, ou seja superior à devida, nomeadamente contribuição, taxa, emolumento, multa ou coima, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – Se o facto for praticado por meio de violência ou ameaça com mal importante, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Artigo 380.º
Emprego de força pública contra a execução da lei ou de ordem legítima

O funcionário que, sendo competente para requisitar ou ordenar emprego da força pública, requisitar ou ordenar este emprego para impedir a execução de lei, mandado regular da justiça ou ordem legítima de autoridade pública, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Artigo 381.º
Recusa de cooperação

O funcionário que, tendo recebido requisição legal de autoridade competente para prestar a devida cooperação à administração da justiça ou a qualquer serviço público, se recusar a prestá-la, ou sem motivo legítimo a não prestar, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Artigo 382.º
Abuso de poder

O funcionário que, fora dos casos previstos nos artigos anteriores, abusar de poderes ou violar deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou causar prejuízo a outra pessoa, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

«Carta à UNESCO pela salvaguarda da Língua Portuguesa» [“Público”, 27.09.18]

Carta à UNESCO pela salvaguarda da Língua Portuguesa como Património Cultural Imaterial

Um núcleo de cidadãos, já fartos de ver a Língua Portuguesa espezinhada, decidiu enviar uma carta à Directora-Geral da UNESCO, apresentando uma queixa contra o Estado Português, pela violação da Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial.

Um núcleo de cidadãos, já fartos de ver a Língua Portuguesa espezinhada, decidiu enviar uma carta à Directora-Geral da UNESCO, apresentando uma queixa contra o Estado Português, pela violação da Convenção para a Salvaguarda do Património Imaterial (CSPI); pela violação da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da Convenção de Viena de 23 de Maio de 1969, pelo AO90; e pela violação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira (COLB) de 10 de Agosto de 1945, aprovada pelo Decreto-Lei Nº 35.228 de 8 de Dezembro de 1945, assente numa bem elaborada fundamentação jurídica. A carta, enviada no passado dia 7 de Setembro, foi recebida pela UNESCO a 13 de Setembro. E é do conteúdo dessa carta que aqui damos conta.

————————–

Excelentíssima Senhora Directora-Geral,

Os subscritores desta carta, de nacionalidade portuguesa, vêm por este meio, submeter à V. apreciação a denúncia da violação da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (CSPCI), por um Estado-Membro, ou seja, por Portugal.

De facto, desde Janeiro de 2011, os sucessivos governos portugueses têm violado, inter alia, os artigos nºs. 1 (a) (b) (c) e (d), 2 parágrafo 2 (a) e 3, 11 a) e (b), 12, 13, 17 e 19/2 da CSPCI.

De acordo com o Capítulo III da Convenção (Salvaguarda do Património Imaterial a Nível Nacional) e Artigo 11 (Funções dos Estados-Membros), cabe a cada Estado-Membro tomar as medidas necessárias para garantir a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, no seu território. Com efeito, o n.º 2 do artigo 2º da Lei Portuguesa n.º 107/2001, de 8 de Setembro de 2001, sobre o Património Cultural Português, prevê «A valorização e defesa da Língua Portuguesa “. Isto é muito claro.

Mas, e de facto? De facto, nada foi feito, infelizmente! Como aliás detalhado no Anexo 3, Parte I.

Já é suficientemente grave que Portugal tenha violado vários artigos, incluindo o artigo 11.º, alíneas a) e b), da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (CSPCI). E é por esta razão que os subscritores desta carta vêm, por este meio, apresentar esta questão.

Além disso, o governo português, por decisão ilegal e inconstitucional, ou seja, através da Resolução do Conselho de Ministros (RCM) de 8/2011, de Janeiro de 2011, violou a Constituição de Portugal, em particular o artigo 11.º, n.º 3, que estabelece como Língua Oficial de Portugal, a Língua Portuguesa (cf. Artigos 74.º e 9.º), ou seja, a mesma em que a Constituição foi elaborada e aprovada pela Assembleia da República Portuguesa (ver Partes I e II da Base Legal, dos Fundamentos Jurídicos, apensada como Anexo 3).

No processo, o Direito Internacional também foi violado, porque a Convenção de Viena, de 23 de Maio de 1969, que rege o Direito dos Tratados, estabelece a regra de unanimidade em relação às ratificações de um Tratado Internacional, a qual também foi violada por Portugal (ver Anexo 3 – Parte II, Ibidem).

De facto, 4 dos 8 Países de Língua Oficial Portuguesa, ou seja, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste, não ratificaram o Tratado Internacional denominado “Acordo Ortográfico” – AO1990 “, o que é manifestamente bastante significativo, provoca o caos e retira a pouca credibilidade que o chamado “Acordo Ortográfico” (AO1990) poderia eventualmente ainda ter.

Além disso, Cabo Verde rejeitou, em 2017, a Língua Portuguesa e declarou o Crioulo Cabo-verdiano como Língua Oficial de Cabo Verde, o que, aliás, está em conformidade com o «PRONTUÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA», [cf. anexo 1-A], e que o colocou, ipso facto, fora dos Países de Língua Oficial Portuguesa, rejeitando assim o “Acordo Ortográfico de 1990“, o que veio a aumentar o número de países que recusaram o “acordo ortográfico“, estabelecendo assim uma MAIORIA de 5 países em 8, que são contra.

Como já acima referido, através de uma simples decisão do Conselho de Ministros (RCM n.º 8/2011 de Janeiro de 2011), o governo português violou a Constituição da República Portuguesa (CRP), impondo de forma brutal, autoritária, ilegal e inconstitucional, o dialecto brasileiro, indevidamente referido como “Acordo Ortográfico – AO1990“, demonstrando, deste modo, abuso e usurpação de poder que não lhe são de todo reconhecidos pela Constituição Portuguesa.

Com efeito, apenas um Decreto ou Decreto-Lei pode revogar e substituir o Decreto-Lei n.º 35.228, de 8 de Dezembro de 1945, no que se refere à Língua Portuguesa e à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira (COLB), de Dezembro de 1945. Este Decreto-Lei nunca foi revogado e não se pode, num Estado de Direito, legislar através de uma simples Resolução do Conselho de Ministros (RCM). Apesar de o Brasil ter denunciado unilateralmente esta Convenção, Portugal decidiu mantê-la, e, por conseguinte, ela continua a aplicar-se, na ordem jurídica nacional, na ausência da sua revogação. Esta e outras questões são desenvolvidas em detalhe no Anexo 3.

Esta RCM 8/2011 causou o caos linguístico em Portugal, e muitos escritores, jornalistas, jornais, editores, revistas (para se entender a extensão desta rejeição, que é muito forte em Portugal, por favor consultar as correspondentes LISTAS PÚBLICAS no seguinte link: https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/estas-sao-as-vozes-audiveis-que-gritam-137738, bem como uma grande maioria dos portugueses, todos rejeitam categoricamente este “Acordo Ortográfico – AO1990“, e, portanto, não participam na destruição do Património Imaterial de Portugal, bem como na destruição da Matriz da Língua Portuguesa, decorrente do Decreto-Lei n.º 35.228, de 8 de Dezembro de 1945, portanto, em conformidade com o Artigo 11, nº. 3 da Constituição da República Portuguesa.

Como resultado da RCM 8/2011, existe actualmente uma situação absurda em Portugal, onde, de forma oculta, está a tentar-se substituir a Língua Portuguesa, conforme determinado no artigo 11.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo Dialecto Brasileiro, tal como definido no “PRONTUÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA”, de Manuel dos Santos Alves, Edição Universitária Editora Lda. (Edição de 1993), portanto uma edição posterior ao “Acordo Ortográfico AO1990” (é aconselhável consultar os pormenores adicionais no Anexo 1-A, para se entender o processo de evolução de um dialecto para uma Língua).

Continue reading “«Carta à UNESCO pela salvaguarda da Língua Portuguesa» [“Público”, 27.09.18]”

Costa em Angola: bué aldrabão, craro

Visita de Estado de António Costa a Angola

Em declarações à televisão estatal local, o Primeiro-Ministro português revela mais uma vez não apenas a sua total inépcia para a expressão oral em geral como a sua absoluta incapacidade na área da dicção em particular: ou seja, é praticamente impossível entender aquilo que o homem diz porque ele pura e simplesmente despreza a sua própria Língua de forma acintosa e progressivamente arrogante. Isto, é claro, caso não se trate de alguma deficiência — articulatória ou mental — clinicamente diagnosticada, de que seja portador o cidadão em causa, e estando ou não em curso o respectivo tratamento.

Acautelado tal handicap (nesta transcrição substituindo-se por anotações entre parêntesis rectos as expressões ou construções frásicas absolutamente incompreensíveis), resta ainda assim algo de picaresco — para não dizer anedótico — naquilo que debita Sua Excelência a respeito da Língua Portuguesa em geral e do “acordo ortográfico” em particular. Aliás, o facto de nem ter-me dado à maçada de destacar as declarações mais extraordinárias ou bizarras é desde logo indício de que não há ali nada a destacar, tudo o que ele diz sobre tais assuntos (que em absoluto e com indisfarçável orgulho desconhece) é mais do mesmo: puro paleio, verbo de encher, chorrilho de vacuidades, a treta do costume.

Note-se, porém, que este exemplar é um político de carreira e, portanto, há que tentar ouvir o que ele diz não dizendo e, sobretudo, o que ele implicitamente declara nas entrelinhas.

Ora, sob este prisma está lá tudo aquilo que significa actualmente a expressão “língua portuguesa”, o que é e para que serve a CPLP, em que consiste basicamente o AO90: o “acordo” é a base ideológica (conversa para enganar as massas) que sustenta a criação da Comunidade (variante neo-colonialista de cariz mercantilista, já não militar) tendo por finalidade a erradicação  do Português-padrão e a sua substituição pela variante brasileira.

Ou seja, tornando ainda mais claro o paleio de chacha do político, pretende este dizer, esfregando as mãos de contentamento, que o II Império brasileiro é a actual “rota das especiarias”, o El Dorado do século XXI, a casa-forte do Tio Patinhas à qual passarão a ter acesso não apenas os brasileiros de cartola como também os seus “amigos” portugueses — a irrisória minoria de traidores e vendidos, as ratazanas que já vão amarinhando pelo cordame de atracação das novas naus prontas a zarpar, ao invés do sentido da História, do Novo para o Velho Mundo.

Teria até sua piada, este triste, caso não fosse trágico, demente, catastrófico aquilo que na prática significam as suas graçolas.

[27:40] ent. –Os críticos da CPLP dizem que tem havido pouco investimento em matéria de língua, que afinal é o maior capital que a organização devia ter, ou que tem, e o que eu pergunto é, por exemplo, não constrange ao sr. primeiro-ministro o português, por exemplo, não ser língua de trabalho nas Nações Unidas? Vem aí o mês de Setembro, Conselho-Geral das Nações Unidas e aí não lhe constrange, por exemplo,{inaudível/incompreensível].
A.C. —E acho que é um trabalho que temos de continuar a fazer. Hoje temos mais de 230 milhões de falantes, prevê-se que em 2050 [‘tecemos’?] mais de 350 milhões de falantes em todo o mundo, portanto é uma língua que claramente está em expansão, é uma língua cada vez mais global, é uma língua que é falada em 4 continentes e acho que esse trabalho de promoção da língua é cada vez mais importante…

ent. —Mas qual é o óbice para avançar-se nesta matéria?
A.C. —Eu acho que não há óbice. Vamos lá ver. Nós todos temos tido, muitas vezes temos sido confrontados com outras prioridades; nem sempre os últimos anos foram fáceis para todos nós e portanto tivemos que nos concentrar, muitas vezes, na resolução de problemas internos mais do naquilo que podemos fazer, mas agora, que estamos numa fase de viragem, acho que essa, o reforço do investimento [‘da’? ‘na’?] promoção da língua será também importante. Posso-lhe dizer que o orçamento de Estado para o próximo ano em Portugal vai ter um reforço importante no Instituto Camões, que é o responsável pela promoção {inaudível/incompreensível] da língua. Temos feito investimentos importantes no aumento das escolas portuguesas. Por exemplo, não havia uma escola portuguesa em Cabo Verde e está-se a avançar com a escola portuguesa em Cabo Verde. Recentemente adquirimos algo que é absolutamente fundamental para a {inaudível/incompreensível] da língua e da cultura lusófona, que é o Real Gabinete de Leitura no Rio de Janeiro, que foi adquirido pelo Estado português, para o poder preservar, para além da vida sempre contingente da família que o geria. Portanto, temos vindo a procurar fazer esse esforço de investimento e quero acreditar que o vamos fazer, e vejo como muito auspicioso também o acordo que a TPA assinará amanhã com a RTP e com a Lusa, como uma outra forma de divulgar a língua, de promover a língua portuguesa.
ent. —A propósito da língua, como é que se vai resolver o grande handicap que é do acordo ortográfico? Até agora não se encontrou uma plataforma comum. Como é?
A.C. —Bom, Portugal fez a sua parte, cada um está a fazer a sua parte. Eu percebo as resistências que existem aqui e ali, mas eu acho que há uma coisa que é essencial e que temos que compreender: as línguas não são fixas, são vivas. E as línguas vivas vão-se transformando, não só na sua ortografia como no seu vocabulário. Hoje, nós, quanto mais não seja fruto das novelas, introduzimos na nossa linguagem do dia-a-dia um conjunto de expressões do português do Brasil que nós não utilizávamos ou nós também introduzimos em Portugal muitas expressões do — olhe — do português falado em Angola, como “bué”, hoje é uma palavra corrente em Portugal quando não era quando eu andava na escola…

«Uma arma perigosa à solta: a palavra» [Carlos Aguiar Gomes, “Diário do Minho”, 27.09.18]

«Para não falar do escandaloso chamado Acordo Ortográfico, uma vergonha e que nos quer obrigar a destruir a nossa língua.»

O autor deste artigo cita diversos exemplos da universal reciclagem da expressão (escrita e oral) na sua faceta mais evidente, isto é, o processo de uniformização em curso visando a destruição de qualquer forma de pensamento independente: «forma de controlar ideologicamente cada um de nós, obrigando-nos ao “pensamento único”».

Orwell deixou-nos, de facto, um arrepiante filme do seu (então) futuro, o qual é hoje a nossa (triste) realidade, com uma acuidade premonitória ao alcance de apenas uns poucos visionários — os que entenderam o imenso poder da linguagem e assim anteciparam («profecia do que se passa hoje») o que com ela fariam  meia dúzia de facínoras.

Como de igual modo nos vamos apercebendo, em verificável, observável, extremamente simples silogismo (ou ainda mais simples relação de causa e efeito), sendo de todo impossível o controlo do pensamento através apenas do sequestro das palavras, então aqueles que tal controlo ambicionam dispõem de um último e ainda mais radical recurso: a destruição das palavras implicará necessariamente a aniquilação do pensamento.

«O objectivo da Novilíngua não é apenas oferecer um meio de expressão para a cosmovisão e para os hábitos mentais dos devotos do IngSoc, mas também impossibilitar outras formas de pensamento. Tão logo for adoptada definitivamente e a Anticlíngua esquecida, qualquer pensamento herético será literalmente impossível, até ao limite em que o pensamento depende das palavras. Quando esta for substituída de uma vez por todas, o último vínculo com o passado será eliminado.» [George Orwell, “1984”]

Uma arma perigosa à solta: a palavra

Carlos Aguiar Gomes
“Diário do Minho”, 27.09.18

 

Quand l’atmosphère général est mauvais, le langage ne saurait rester indemne” (G. Orwell – 1946)

 

A revista francesa «Le Point», de 16 de Agosto pp dedicou a capa e uma série larga de páginas ao autor de “1984”, Eric Blair, conhecido pelo seu pseudónimo Georges Orwell. Li, com o maior interesse estas páginas. Muito interesse. Das muitas passagens dos artigos então e ali publicadas, cheias de interesse pela sua actualidade gritante, retive a que encima este artigo, verdadeira profecia do que se passa hoje.

Na realidade, “Quando a atmosfera geral é má, a linguagem não pode ficar imune”, tal como escreveu o citado autor em 1946, num artigo que publicou.

Olhemos e ouçamos o que se passa à nossa volta, numa “atmosfera” cultural, linguística e espiritual deletéria, depauperada e… manipulada escandalosamente com a nossa linguagem pobre, mentirosa, fraudulenta. Para não falar do escandaloso chamado Acordo Ortográfico, uma vergonha e que nos quer obrigar a destruir a nossa língua.

Mas há mais. Dou alguns exemplos da manipulação da linguagem, habilmente manipulada por ideologias que têm como objectivo a destruição dos nossos valores e da nossa identidade:

– Interrupção voluntária da gravidez – metáfora que se usa cada vez mais, para atenuar o peso e o significado verdadeiro do que é: o aborto. Assim, se apaga a noção de matar um bebé por nascer, tornando este vil acto aceitável por uma população que se recusa a pensar…

– Morte digna e assistida – outra metáfora mentirosa e falaciosa para dizer matar uma pessoa que, por compaixão, dizem, deve ser morta porque “pediu”…

– Namorado – companheiro com quem se vive sem vínculo civil ou religioso, de que se troca como quem muda uma camisa ao fim do dia…

– Acompanhantes de luxo – outrora eram as prostitutas que se faziam pagar bem e tinham aparência de “esposas”. Acrescentem-se os “prostitutos”, mais modernos…

– Desvio de fundos – metáfora, também, para amenizar o crime de roubo, normalmente chorudo e de gente importante…

– Elite – outra metáfora para dizer “os que mandam” bem ou mal, têm poder, mas raramente são modelos…

…E quantas mais palavras o leitor conhece que são verdadeiras radiografias de uma péssima atmosfera de uma sociedade doente e que são usadas constantemente pelos “opinion makers” que são os que, de facto, manipulando as palavras criam uma nova atmosfera intoxicada, poluída e malsã. Esta em que vivemos sem nos revoltarmos e recusarmos a usar a “novilíngua”, como disse Orwell, como forma de controlar ideologicamente cada um de nós, obrigando-nos ao “pensamento único”.

[Transcrição integral de Uma arma perigosa à solta: a palavra, da autoria de Carlos Aguiar Gomes, publicado no “Diário do Minho”, 27.09.18Imagem de topo de: ePresse.]

Uma fífia monumental

Uma estranhíssima observação com que Nuno Pacheco obsequeia os leitores do “Público” neste seu artigo suscita-me um ou outro comentário, à laia de “nota prévia”.

Refiro-me a apenas parte de uma única frase, em todo o texto, mas, na minha opinião, semelhante formulação terá sido ou mero lapso de memória ou simples confusão mental momentânea do autor. A dita frase, cuja segunda parte não interessa para o caso, é a seguinte:

«Enquanto avançam iniciativas como a ILC-AO, procurando reconduzir o AO ao seu enquadramento inicial (sem a ratificação dos oito países envolvidos, nada feito; e só ratificaram quatro) […]»

Perdão? Como assim?

Tal construção frásica implica uma ideia subjacente que nunca, jamais, em tempo algum foi O motivo basilar do lançamento da ILC-AO em Abril de 2010. Nem então foi O motivo como ainda hoje, que eu saiba, apesar de estar “reformado” desde Julho de 2015, tal ideia é sequer UM dos motivos que norteiam a mesma Iniciativa cívica.

Porque, note-se, a interpretação mais óbvia da formulação (exclusiva) de Nuno Pacheco é que bastaria então a ratificação de mais quatro países para que o AO90 entrasse legalmente em vigor em todos os oito membros da CPLP. O que implicaria, nesse caso, que a ILC-AO deixaria de fazer sentido — até com efeitos retroactivos, para cúmulo do absurdo — assim que a Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Timor-Leste ratificassem o II Protocolo Modificativo do “acordo ortográfico” de 1990.

Nada disso. Nada mais falso. Essa hipótese não se coloca, assim como nunca se colocou ou esteve sequer alguma vez sob cogitação;  não existe portanto o mais ínfimo fundamento naquilo que agora diz Pacheco.

Um dos fundamentos basilares da ILC-AO, isso sim, foi e continua a ser, abreviando em extremo, a eliminação — por ilegalidade formal e objectiva — de um expediente exclusivamente político (a RAR que aprovou o tal Protocolo, essa tremenda aldrabice) que os deputados votaram, por disciplina partidária, sem saberem ao certo aquilo que estavam a aprovar.

Todas as motivações da Iniciativa estão contidas no texto com as fundamentações da própria ILC-AO (“pela revogação da entrada em vigor do AO90, anulação da RAR 35/2008“) e todas as explicações e esclarecimentos a respeito constam de milhares de textos (“posts”), comentários, mensagens de e-mail, cartas até dactilografadas ou mesmo escritas à mão, exposições e conferências públicas, debates e entrevistas (pessoais, em grupo e a órgãos de comunicação social). NUNCA aquela formulação foi sequer aflorada por QUALQUER pessoa ligada à ou com responsabilidades na Iniciativa.

Confesso a minha total estupefacção, por conseguinte, já que acabo de ler tal coisa absolutamente pela primeira vez. O que significa, por conseguinte, que afinal não terá sido lapso ou confusão do escriba. Terá sido apenas uma fífia, uma fífia monumental, uma nota de tal forma aguda, desafinada e irritante — até pela sua espantosa amplitude “sonora” — que nem a avantajada Bianca Castafiore conseguiria fazer melhor.

Esta outra, no jornal, partiu não apenas todas as vidraças e espelhos como fez estilhaçarem-se todas as lâmpadas, tampos em vidro, copos,  pratos e travessas aqui na toca. Até o ecrã do portátil rachou de meio a meio.

De tal sorte foi o cagaçal!

Ideias com fífias e músicas sem elas

Continuaremos, no que à língua diz respeito, a ser massacrados por repetidas fífias que mais não fazem do que tentar iludir o óbvio?

Nuno Pacheco
“Público”, 27.09.18

 

Na definição que lhe é dada pelos dicionários, uma fífia é um “som ou nota desafinada, na voz ou em instrumentos de música.” Mas pode ser também, na gíria, sinónimo de erro ou tolice. Agora que se aproxima o Dia Mundial da Música (a 1 de Outubro), ficou no ar uma fífia que convém registar. Recordemo-la: no dia em que chegou a Angola, em visita oficial, o primeiro-ministro português António Costa deu uma entrevista à TPA (Televisão Pública de Angola) onde, entre muitos outros temas, falou do acordo ortográfico que Angola, aliás, não ratificou. O jornalista Isidro Sanhanga perguntou-lhe, já a entrevista ia adiantada (aos 30:17 num total de 35:41, o vídeo está no Youtube): “A propósito da língua: como é que se vai resolver o grande handicap que é o acordo ortográfico? Até agora não se encontrou uma plataforma comum…” Ao que o primeiro-ministro respondeu: “Bom, Portugal fez a sua parte, cada um está a fazer a sua parte. Eu percebo as resistências que existem aqui e ali, mas eu acho que há uma coisa que é essencial que temos de compreender: as línguas não são fixas, são vivas, e as línguas vivas vão-se transformando, não só na sua ortografia como no seu vocabulário. Hoje, todos nós, quanto mais não seja fruto das novelas, introduzimos na nossa linguagem do dia-a-dia um conjunto de expressões do português do Brasil que nós não utilizávamos e também introduzimos em Portugal muitas expressões, olhe, do português falado em Angola, como ‘bué’. Hoje é uma palavra corrente em Portugal e não era.”

Na gíria, dir-se-á que isto é misturar alhos com bugalhos. Por isso suscitou comentários como o dos Tradutores Contra o Acordo Ortográfico: “O PM continua a não olhar para a questão com a devida profundidade e a misturar, por exemplo, léxico e ortografia, limitando-se a chavões que não resistem à lógica.” Ou o do respeitado crítico e ensaísta Eugénio Lisboa, que escreveu: “A resposta do PM é uma perfeita trapalhada, confundindo ortografia com outras coisas que não são ortografia. A teimosia dos vários governos quanto a este miserável AO é perfeitamente incompreensível. Deve andar aqui o papel dos lobbies das editoras de dicionários e outros manuais. Em Portugal, avançou-se de tal maneira no disparate, que agora ficam aterrados com a ideia de voltarem atrás…” O mesmo Eugénio Lisboa que, num artigo publicado no JL, em Agosto de 2008, já avisadamente escrevera: “Tenhamos a coragem de admitir, de uma vez por todas, que há um português ortónimo – o que se fala e escreve em Portugal – e vários portugueses heterónimos (os que se falam no Brasil, em Moçambique, em Angola, etc.) que se falam e que se escrevem. Apagar esta heteronímia, tentar fingir que o português é só um, por via de uma tímida e ridícula unificação ortográfica, é querer tapar o sol com uma peneira.” Os políticos, sobretudo os que vão detendo à vez o poder, não tiveram até hoje essa coragem. Mas há quem tenha. Dois exemplos: a Casa da Arquitectura (com C) recebe amanhã, em Matosinhos, a exposição “Infinito Vão – 90 Anos de Arquitetura Brasileira” (sem C). Algum óbice? Nenhum. A Granta em Língua Portuguesa, com Bárbara Bulhosa por editora e Carlos Vaz Marques por director (com C), publica, como escreveu este último em editorial, textos que “percorrem os múltiplos matizes do idioma”, convocando “autores e tradutores com sotaques distintos.” E a finalizar diz: “Na Granta […] aproxima-nos e diferencia-nos a língua – simultaneamente a mesma e outra, consoante o lugar de origem. Em português nos des/entendemos.”

Será preciso muito, para afinarmos ideias a este respeito? Ou continuaremos a ser massacrados por repetidas fífias que pretendem iludir o óbvio? Enquanto avançam iniciativas como a ILC-AO, procurando reconduzir o AO ao seu enquadramento inicial (sem a ratificação dos oito países envolvidos, nada feito; e só ratificaram quatro), o Dia Mundial da Música pode permitir-nos “limpar” os ouvidos. Entre mil e uma ofertas, que decerto haverá, quem estiver dia 1 no Porto pode assistir ao projecto A Música Saiu à Rua, na Casa da Música (19h). Em Lisboa, além de um recital de Mariana Abrunheiro e Walter Hidalgo, na Associação José Afonso (19h30, com jantar), há um concerto evocativo de Fernando Lopes-Graça no Largo do Teatro Nacional de São Carlos (18h30), com o coro da Academia de Amadores de Música, o Canto Firme de Tomar e o coro Eborae Musica. Nem de propósito, o programa termina (“coros e público unidos”) com o exaltante Acordai!

Nuno Pacheco

[Transcrição integral de “Ideias com fífias e músicas sem elas”, por Nuno Pacheco, “Público”, 27.09.18. Imagem de topo de: tintin.com.]