É “professor catedrático convidado” na “Nova Business School of Business and Economics de Lisboa”[sic], a julgar pelo que se pode ler (em brasileirês, claro) no respectivo CV. Presume-se, dado o facto de o seu nome não estar em Inglês nem em brasileiro, que tenha passaporte português. Pois ninguém diria…
Isto é um brasileiro, só pode ser, de tal forma vinca a sua espécie de patriotismo ferrenho — ou verdadeiro nacionalismo — com tão vigorosas palavrinhas de eterna gratidão à sua pátria, o Brasil.
Devo confessar que nunca tinha lido coisa alguma esgalhada por este fulano — nem faço tensões de voltar a passar por tão excruciante provação — e também que nunca dele tinha sequer ouvido falar, nada, nadinha, nem a mais leve referência; o que aliás é estranho, deve ter sido distracção minha, isto ele há-de estar com certeza referido em inúmeras bibliografias de teses académicas (ah, pois, espera, é que eu cá não leio muito disso, são manias) ou ao menos numa série de artigos de jornal ou em blogs e assim ou, enfim, coisa que o valha. Parece que, além do Expresso, decerto igualmente como convidado, escreve num jornal lá da terra dele — em brasileiro legítimo — sobre temas tão variados como o futebol, o ambiente, a política em geral, os abusos sexuais em particular e outras “praias” verborreicas tão sortidas quanto, lá estou eu a presumir outra vez, maldito vício, divertidas.
Sobre o textículo do indivíduo, desta vez não sobre a bola, os votos, a cachaça ou o Cárnávau, pouco ou nada há a dizer. Não, pelo menos, como comentário — singelo ou por grosso. A saraivada de bacoradas sobre aquilo que em absoluto desconhece — a Língua Portuguesa, principalmente, mas também alguns rudimentos de História de Portugal e ainda, no essencial, os conceitos de decência, urbanidade e seriedade — resulta numa leitura extremamente penosa.
A sua peganhenta bajulação ao Brasil talvez consiga impressionar uma ou outra matrafona das escolas de samba em Portugal, caso alguma das ditas porventura saiba ler.
A sua agressiva obsessão por torcer a realidade até que os factos pareçam encaixar na narrativa laudatória — e claramente neo-imperialista — poderá talvez vir a ser “mérito” suficiente para que o brasileirista mais proeminente da “terrinha” lhe pendure uma medalhinha na lapela, à semelhança do que já sucedeu com a mulher do Lula, igualmente por méritos “culturais” (ou lá o que foi aquilo).
Por fim, a sua insuportável arrogância, que inúmeros tiques típicos dos pseudo-letrados denunciam, inviabilizam qualquer tipo de argumentação minimamente civilizada.
Fica evidentemente ao critério de cada qual, se isto ler, escolher qual a designação, quais os adjectivos qualificativos mais adequados para descrever, resumir, retratar (não confundir com retractar) ou pura e simplesmente escavacar o paleio deste “convidado”. Um módico de pudor e outro tanto de vergonha alheia impedem-me de escarrapachar aqui, por extenso, o que penso do dito e dos seus ditos. Mas palpita-me que os meus botões já devem estar fartos de ouvir palavrões.
O português de Portugal está em risco?
“Expresso”, 20 JULHO 2023
Rodrigo Tavares
Professor catedrático convidado na Nova SBE
A versão da língua falada em Portugal é cada vez mais portuguesa e menos global.
O primeiro compromisso do vice-presidente do Brasil na recente visita a Portugal foi um pequeno-almoço com CEOs de grandes empresas. Quando, na sua intervenção, um dos empresários com nome X fez alusão a uma outra pessoa que, coincidentemente, também se chamava X, o vice-presidente Geraldo Alckmin soltou espontaneamente “seu xará”. A maioria dos portugueses na sala não entendeu a interpolação do brasileiro.
A palavra xará é oriunda do tupi-guarani e significa “aquele que tem o meu nome”. É recorrentemente usada no Brasil. Depois da inhaca e da arapuca dos últimos quatro anos que deixou a democracia brasileira capenga e a economia na pindaíba, ouvir um novo cacique político de Pindamonhangaba a falar sem nhenhenhém nem deixar a peteca cair, cutucando aqueles empresários para investirem no Brasil, enquanto se comia um mingau naquelas cumbucas de porcelana, foi um alento.
São milhares as palavras de origem indígena usadas diariamente no Brasil e desconhecidas em Portugal. Os povos originários brasileiros falam cerca de 300 línguas diferentes. O mesmo acontece com milhares de palavras de origem africana, alemã, espanhola, japonesa e italiana levadas por imigrantes e escravizados. “Poxa, já estou briaco com o chope” diz-me um amigo num português brasileiro que assimilou vocábulos castelhanos, italianos e alemães. Foi com ele que aprendi a palavra brasileira banzo, originária do quicongo africano, como substituto de melancolia ou saudades.
Desde a chegada das caravelas em 1500, os portugueses sempre foram estatisticamente minoritários. Entre 1880 e 1930 chegaram a São Paulo quase 4 milhões de imigrantes, a maioria italianos, japoneses e sírio-libaneses. Vivem mais descendentes de italianos em São Paulo do que em Roma. Mais descendentes de libaneses do que em Beirute. É também no estado de São Paulo que reside a maior comunidade de japoneses fora do Japão. No Sudeste e no Norte brasileiros, a língua portuguesa só se sobrepôs à Língua Geral Paulista (a língua dos mamelucos) ou à a Língua Geral Amazónica no fim do séc. XVIII. No início do século XX ainda havia falantes de Língua Geral em São Paulo.
Os idiomas dos 5 milhões de escravizados sudaneses, guineanos-sudaneses muçulmanos e bantus levados para o Brasil também foram parcialmente absorvidos pelo português brasileiro. Não houve necessidade de criarem crioulos africanos no Brasil, como aconteceu no Haiti (kreyòl), Jamaica (patwa jamaicano) ou nas Seychelles (kreolseselwa). Esta riqueza foi estudada por diversos linguistas e historiadores como Rosa Virgínia Mattos e Silva, Yeda Pessoa de Castro ou Marco Lucchesi.
O português brasileiro também conservou sonoridades, construções gramaticais ou vocabulários usados pelos portugueses nos séculos XVI-XIX, mas, entretanto, extintos em Portugal, como botar, safo ou açougue. Ou o uso de próclise (pronome antes do verbo), um dos elementos mais reconhecíveis do português brasileiro. N’Os Lusíadas são dezenas de exemplos, como “Te contei tudo quanto me pediste” (Canto V) ou “Agora tu, Calíope, me ensina” (Canto III).
O português brasileiro não é apenas um armazém de matérias-primas estrangeiras. Também é produtor. Os brasileiros constantemente criam e recriam léxicos, fonologias, sintaxes e morfologias que expressam a vitalidade das diversas sociedades que vivem naquele território. Uma muvuca comunicacional. Adoram perífrases, antonomásias e gerundismos. Por influência africana, por vezes economizam nos plurais (um pastel, dois pastel), não economizam nas vogais (“te-le-fo-ne” em vez de “tlfone”), usam a dupla negação (“não quero não”) ou variam na aplicação das regras de concordância nominal e verbal (“eu vi tu na rua ontem”). Algumas palavras também estão a ficar mais curtas (“independentemente” passa a “independente”, “para” passa a “pra”).
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