Uma história (muito) mal contada [XXIX]

TorreBabelO caos trocado em miúdos

Now this is not the end. It is not even the beginning of the end. But it is, perhaps, the end of the beginning.
Winston Churchill

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2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014. Ora, vejamos, portanto: a seguir a 2014 é… 2015. Certo. Bem visto.

Fiquemo-nos pelo relato do primeiro semestre daquele ano, já que a 19 de Junho foi publicado o “Fim”. O qual autopsiaremos na próxima ocasião.

Ao longo de 2015 desenvolvemos uma ideia original lançada em finais do ano anterior: o cAOs. Foi uma “moda” que pegou de estaca, pelos vistos, agora toda a gente faz a mesma coisa, em alguns casos até com o símbolo © e tudo, não vá alguém apossar-se aleivosamente de originalidades curiosas. Como sabemos, no virtual “star system” dos consumidores de causas é uma tradição “solidária” parasitar o trabalho alheio para brilhar cada estrelinha mais um bocadinho do que as outras.

© JPG

Havia dantes umas listas com  inegável interesse, é certo, mas o conceito original da página “cAOs” (e a própria designação) não se restringe a “caçar” exemplos aberrantes da “implementação” do acordês. Servia e continua a servir para demonstrar não apenas que o AO90 é mesmo uma aberração como (ou principalmente) que os seus efeitos devastadores afectam (e infectam) já todo o tecido social português, da mais simples placa toponímica ao mais formal dos documentos publicados no Diário da República.

E ainda, como se não bastasse o que basta, que o cAOs ortográfico — ao contrário do que garantiam acordistas — contamina também a pronúncia, o que implica estranhíssimos fenómenos de hipercorrecção, em relação directa de causa e efeito. Imensas demonstrações deste desastre fomos detectando e publicando diariamente, sempre em primeira mão e segundo critérios de selecção coerentes.

Dos casos mais flagrantes serve este, como ilustração gráfica dos ditos conceito e critérios:  em 29 de Janeiro aterra num telhado um “helicótero” em segundas “núcias”.

Mais de 400 “amostras” (and counting), qual delas a mais tristemente anedótica ou quais delas as mais dolorosamente ridículas.

Inúmeras outras se poderiam apontar, em áreas tão diversas como a Medicina (bisseção, adómen, sução) ou a Física (dutilidadeimpato, compatar), a política (ilariante, patoostáculo) ou a Matemática (reta, seteto, conetar), a Geografia (Irã, hetares, Madri) ou a religião (tetosuntuosotrítico). Basta abrir aquela página, fechar os olhos e apontar ao acaso para um qualquer ponto da enorme lista: “click”! Pronto, já pode abrir os olhos, se calhar nem vai acreditar  no que eles vêem. E pode ser que assim se lhe abram os olhos, de uma vez por todas, para as reais, horríveis, desastrosas consequências da “maravilhosa língua unificada” que alguns pretendem impor a todos.

Imposição esta que, nem de propósito, atingiu o cúmulo da desfaçatez precisamente em 2015: a 12 de Março, por determinação ministerial, o AO90 torna-se obrigatório nos exames nacionais. O cAOs vigente, injectado de forma particularmente violenta no sistema de ensino, parece não incomodar nem um bocadinho os governamentais burocratas.

Os quais burocratas poderão continuar descansados na sua governamental empreitada de demolição da Língua Portuguesa, visto contarem com alguns supostos anti-acordistas especializados em sabotagem. Isto é, os especialistas em demolição podem contar com a expedita cooperação de sabotadores.

Uma das inúmeras formas de sabotagem, como se sabe, é a intriga. A 24 de Março, Octávio dos Santos publica no “site” da ILC-AO um “post” sobre determinada   “ocorrência: A TVI recusou-me…”:

«(…)

A resposta, indicando o meu nome como representante da ILCAO, foi enviada por João Pedro Graça antes do final de terça-feira, 3 de Março – mais concretamente, às 16.55. Porém, e para nossa surpresa, posteriormente recebemos, ainda naquele dia, a seguinte mensagem de Pedro Quaresma: «Agradeço a rápida resposta ao nosso e-mail. Por imposições superiores, e como hoje por volta da hora de almoço ainda não tinha qualquer indício de que a ILC poderia disponibilizar alguém para participar no debate, vi-me na obrigação de encontrar uma alternativa para fechar o alinhamento do programa da próxima sexta-feira. Assim, acabámos por concordar com a participação de um elemento da Associação de Tradutores, que também é contra a adopção deste acordo. Em todo o caso, agradeço a sua simpatia e disponibilidade.» Repare-se nas bizarrias e nas contradições que caracteriza(ra)m este desagradável incidente: a ILCAO respondeu indubitavelmente dentro do prazo pedido… que não era, aliás, obrigatório – e tanto assim foi que PQ começou por agradecer, precisamente, a «rápida resposta»! No entanto, antes disso, e talvez devido a uma crise de bipolaridade, à «hora de almoço» (seria fome?) decidiram «encontrar uma alternativa» por «imposições superiores». Mas só nos comunicaram essa decisão depois de saberem quem seria o representante da ILCAO… ou seja, eu.

(…)»

Na opinião deste nosso companheiro de luta, portanto, a súbita alteração de planos ficou a dever-se ao facto de ter sido ele o indicado como representante da ILC-AO numa entrevista para a qual tínhamos sido convidados pela TVI.

Pois não me parece, companheiro. Não foi o seu nome o problema da TVI, o problema da TVI foi a ILC-AO. É o costume, portanto: num país de cunhas e compadrios, basta um telefonema entre dois amigalhaços para que de repente os programas se alterem e o combinado seja desfeito sem qualquer explicação minimamente plausível. Esta golpada (mais uma) pode ter tido origem, na minha opinião, em algum ou alguns dos “membros” de um dos grupos anti-ILCAO no Fakebook; não é ainda certo de qual ou quais deles, mas uma intriga deste género deixa fatalmente um rasto característico, uma pista de fedor que não carece de ventas caninas para ser seguida até à origem.

Um simples programa na televisão não é importante, que diabo, mais entrevista, menos entrevista, não é por aí. O que verdadeiramente interessa, pelo menos para que se entenda o que se passou com a nossa Iniciativa, é — mesmo que (muito) mal — contar a história como ela foi: quando, como e porque começou, primeiro, e porque, como e quando acabou, por fim. O que tem significado, portanto, quanto a esta derradeira etapa, é compreender que as aCções de sabotagem estavam, por alturas daquela trapalhada armada pela TVI, a ser ultimadas nas nossas costas.

É que foi exactamente a partir daqui, se bem que as movimentações já viessem de muito antes, que os acontecimentos se precipitaram. Em menos de três meses (na antevéspera do “Fim” estávamos a anos-luz de sequer imaginar o que aí vinha), os intriguistas iriam fazer (muito) bem o seu trabalho.

Recuando um pouco na cronologia. Em 30 de Janeiro de 2015, tínhamos publicado um esclarecimento da I. L. Cidadãos contra o acordo ortográfico:

«Surgiu recentemente no Facebook mais um grupo contra o AO90, desta vez com a denominação “Cidadãos contra o Acordo Ortográfico de 1990”.

Esta designação pode dar azo a confusão entre aquele grupo e a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. (…)»

Pouco depois do “incidente” com a TVI publicámos, em 10 de Abril, um “post” carregadinho de ingenuidade em que apelávamos à tão badalada “união de esforços“: Tomar partido. A ideia, aparentemente irrecusável até mesmo pelos mais histéricos inimigos da ILC-AO, consistia em transformar a Iniciativa (extinguindo-a, pois claro, não era isso que queriam?) num partido político ad-hoc, para concorrer às eleições legislativas seguintes (4 de Outubro 2015):

«(…) O nosso partido é, hoje como sempre, apenas e só, a defesa da Língua Portuguesa enquanto património cultural e legado histórico inalienável.

Assim haja, a partir de agora, a vontade de muitos e a determinação de outros tantos para levar essa mesma defesa até ao fim, ou seja, de volta ao próprio local onde a nossa Língua foi brutalmente agredida: o Parlamento,  a chamada “casa da democracia”.

Assim haja a coragem de tomar partido.»

Parecia impossível que alguém ou algum dos grupos virtuais pudesse recusar a proposta. Pois bem, puro erro, ignoraram-na (ou fingiram ignorá-la) olimpicamente e até agressivamente; por exemplo, uma partilha daquele “post” num dos tais grupos Fakebook foi apagada ao fim de apenas algumas horas,  apesar de já ter bastantes comentários… de apoio.

Quatro dias depois disto, a 14 de Abril, os mesmos grupos organizaram um evento na FLUL. Evidentemente, apenas tomámos conhecimento daquele ajuntamento através das “redes sociais”. Nesse evento houve uma votação por  braço no ar: consta que aprovaram os presentes nos bancos daquele anfiteatro, por maioria, avançarem os presentes na mesa do dito anfiteatro com uma coisa a que chamaram “Iniciativa de Referendo”.

Entretanto, circulava nos “mentideros” do costume uma curiosíssima e mui interessante tese  sobre “datas”: qual é ao certo a data em que termina o prazo de transição do AO90, a partir de que data se conta o início do dito período, em que data isto e em que data aquilo. Pois com data de 13 de Maio publicámos nós o que se nos oferecia dizer sobre tão escarafunchado quanto mal datado assunto: “A nossa luta não tem prazo de validade”.

Vamos supor, por hipótese lúdica, que aquela supostamente jurídica tese das datas tem alguma espécie de validade ou um módico de credibilidade. E então? A partir do dia 16 de Setembro de 2016 é que é mesmo, ponto final, acabou-se a luta contra o “acordo”, não se fala mais nisso? Vamos impor a nós mesmos uma data terminal, um muro temporal inultrapassável e inamovível? E este “raciocínio” não é “um bocadinho”… hum… como direi… estúpido?

A dita tese vale o que vale, como qualquer tese. Esta, na minha opinião, vale zero. Ou pior, abaixo de zero, é de tal forma absurda que nem à conta de traição pode ser tomada.

Naquilo que me toca, o AO90 não entrou em vigor em 13, 16 ou 18 de Maio de 2015, também não entrou em vigor no último 1.º de Janeiro e não entrará em vigor em 16 de Setembro de 2016 ou de resto, em qualquer outra data deste ou de qualquer ano vindouro. Não em meu nome, que não mandatei ninguém para nada; e muito menos para falar por mim. Não, de todo. A minha luta contra o AO90 expirará na data em que eu expirar. A expressão “naquilo que me toca” significa que o assunto me toca mesmo muito e que isto não é para mim uma mera opinião, é todo um “programa”. O mesmo “programa” que me leva a igualmente recusar, por exemplo, que se sujeite a Língua Portuguesa a referendo, o que equivaleria a admitir, por conseguinte, a hipótese académica de que uma maioria irrisória possa impor a uma esmagadora minoria um intolerável absurdo. O que está certo não se plebiscita, o que é correcto não tem prazo de validade.

Digo eu, um simples soldado raso.

As manobras de sabotagem surtiram efeito pela calada e vieram por fim a público, a 17 de Junho de 2015, sob a (tal) designação de “Iniciativa de Referendo”. Surpresa total. A coisa afinal não tinha sido uma simples brincadeira, ao que parece eu cá deveria ter levado aquilo a sério.

48 horas depois do público anúncio da brincadeira séria ou, escolhendo melhor as palavras, da séria brincadeira, redigi de jorro e publiquei imediatamente o “Fim“.


Imagem de topo: Digtal Productions
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