Os números não mentem – 5 (de 5)

«– É lindo destruir palavras. Naturalmente, a maior parte é nos verbos e adjectivos mas há centenas de substantivos que podem perfeitamente ser eliminados. Não apenas os sinónimos; os antónimos também. Afinal de contas, que justificação há para a existência de uma palavra que é apenas o contrário de outra? Cada palavra contém em si o contrário. “Bom”, por exemplo. Se temos a palavra “bom” para que precisamos de “mau”? “Inbom” faz o mesmo efeito – e melhor, porque é exactamente oposta, enquanto que mau não é. Ou ainda, se queres uma palavra mais incisiva para dizer “bom”, para quê dispor de toda uma série de vagas e inúteis palavras como “excelente”, “esplêndido”, etc. e tal? “Plusbom” corresponde à necessidade, ou “dupliplusbom”, se queres alguma coisa ainda mais forte. Naturalmente já usamos essas formas, mas na versão final da Novilíngua não haverá outras. No fim, todo o conceito de bondade e maldade será descrito por seis palavras – ou melhor, uma única. Não vês que beleza, Winston? Naturalmente, foi ideia do Grande Irmão – acrescentou, à guisa de conclusão.»

George Orwell, “1984”


Termina aqui esta pequena série de “posts” sob o título (e tema) genérico “os números não mentem”. Não vou maçar mais as pessoas com aborrecidíssimos tecnicismos, dados, quadros, cálculos, algoritmos, critérios, métodos e processos. O trabalho está feito, a função cumprida, os resultados publicados e demonstrados. Avançar com ainda mais pormenores técnicos seria, além de fastidioso, algo redundante: é claro que — a partir de agora — já toda a gente sabia de tudo isto “há que tempos”. Mudei de ideias, por conseguinte, quanto à intenção que expressei no “post” anterior (o 4.º da série): não vou afinal “esmiuçar” coisa nenhuma, à uma porque me parece já o ter feito exaustivamente, às duas porque sempre quero ver como se desenrascarão os “autores de obras feitas” do costume. Deverão agora, tão somente, segundo a técnica habitual, bolçar umas “indignações” avulsas pescando uns quantos números do estudo, depois copiá-los daí para outro lado qualquer e por fim citar esse lado qualquer — com destaque — como “fonte” e o figurão que bolçou a diatribe como “autor” do trabalho. Enfim, repito, que se desenrasquem os parasitas da ordem. O que é preciso é que a mensagem passe, que se lixe o mensageiro.

Adiante.

Por algum subtil, estranho ou suspeito motivo, as perguntas basilares jamais tinham sido formuladas e, por inerência, visto não ser possível responder a algo que ninguém perguntou, ninguém sabia o que dizer quanto a  incógnitas vazias ou a questões omissas.

Mas que poderiam ter sido atempadamente formuladas, ambas, as perguntas e as respostas.

P – O Brasil cedeu de facto mais do que Portugal?

R – Não.

P – Se o Brasil não cedeu mais, então cedeu menos?

R – Sim.

P – É possível calcular quanto (ou em quanto) menos?

R – Não.

P – Como “não”?

R – Não é possível calcular quanto representa zero em relação a um número, zero comparado com um valor ou um montante é uma função impossível.

P – “Zero”?

R – Zero. É este o número de palavras que o AO90 alterou na variante brasileira do Português. Zero. Não se trata de apurar, ao certo, quanto “cedeu” a variante brasileira em relação às reais “cedências” (eufemismo para vendas de vendilhões) do Português-padrão. A questão resumiu-se aqui a apurar se a dita variante cedeu de facto em alguma coisa. E deste trabalho resulta isto: nada. O Brasil não cedeu absolutamente (em) nada.

P – “Absolutamente nada”? De certeza?

R – Absolutamente nada, de certeza absoluta. Nada de nada. As “cedências” da variante brasileira provieram do acordo ortográfico de 1945, não do “acordo” de 1990; e, mesmo, assim, todas essas “cedências” dizem respeito, por um lado, a questões de acentuação (só a abolição do trema representa mais de metade do total dessas inexistentes “cedências”), e, por outro lado, a questões de hifenização. Não existe, em suma, UMA ÚNICA PALAVRA brasileira REALMENTE alterada pelo AO90.

P – Mas isso então é uma vigarice tremenda… Não há nem uma excepção, uma só, para amostra?

R – Não. TODAS as palavras REALMENTE adulteradas (consoantes “mudas” abatidas segundo os ditames brasileiros) afectam apenas o Português-padrão, evidentemente. Há uma porção subsidiária que diz respeito a palavras que sofrem alterações iguais no Português-padrão e na variante brasileira… mas apenas a nível de acentuação e de hifenização.

P – Isso é “um bocadinho” difícil de imaginar, quanto mais de digerir…

R – Pois é. Mas não é nada de imaginado, é a mais pura das realidades — como os números atestam, os factos comprovam e a realidade demonstra.

 

Imagem de: http://www.orwelltoday.com/