‘La Reina de la Novela Rosa’


Portela, Setembro de 2000. “Vai com espírito de missão?”, perguntou ele (e os jornalistas todos). “Não”, respondi. “Vou porque não tenho lugar em Portugal.”

É de facto comovente a preocupação de nosso acordita-mor, Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o seu inexcedível “respeito” pelos Tratados em geral e pelo cumprimento do “acordo ortográfico” em particular.

Mesmo havendo o pequeno senão de esse acordo em concreto, o AO90, não ser, de todo, em rigor ou após uma simples vista-de-olhos, um verdadeiro Tratado ou um papelucho que sirva para algo mais do que os da Renova, vá.

Não o é, seguramente, porque nem a martelo pode essa igualmente macia “folha dupla” ser de alguma forma encaixada no conceito de Direito Internacional nos termos previstos, tipificados e regulamentados pela Convenção de Viena, a que Portugal — como país teoricamente civilizado — está vinculado desde 2003. Não é um Tratado internacional, de Direito, e é absolutamente ilegal a sua entrada em vigor por via da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008; tendo sido elaborado pelos directórios partidários este expediente parlamentar, à revelia de qualquer disposição normativa ou mecanismo legal, internacional ou doméstico, a entrada em vigor do Tratado perde ab initio, por consequência, qualquer efectividade, na forma, no articulado e nas suas disposições.

Desta falsa e ilegal aprovação da entrada em vigor de um Tratado internacional também ele ilegal  decorre, por fim, que toda e qualquer legislação, regulamentação ou simples ordem de serviço subsequente, sendo baseada na referida Resolução parlamentar, fica de imediato anulada, visto que todo o processo legislativo está ferido de ilegalidade; assim, são de igual modo de nenhum efeito, porque se estribam em processo legislativo inválido, o Aviso nº 255/2010 (do M.N.E., depósito dos instrumentos de ratificação), o Decreto do PR n.º 52/2008 (ratifica o II Protocolo Modificativo, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008) e ainda, por fim, a Resolução do Governo nº 8/2011 (determina a aplicação do AO90, também nos termos da RAR 35/2008).

Trata-se, portanto, de cabo a rabo, de papelada que não vale a tinta com que foi impressa. Um impressionante calhamaço de inacreditáveis tretas, mentiras, fábulas romanescas ao nível dos grandes (e eternos) sucessos mexicanos. Ainda assim, sabendo perfeitamente que o AO90 é uma fraude maneta (e perneta), pois a longínquas paragens mentais e alucinações filosóficas não chegará certamente a imaginação do pobre governante, o senhor Silva jura ao inválido incríveis coisas, uma oratória pungente regada a “até que a morte nos separe” e assim. Àquela pilha de papéis inúteis declara Sua Excelência sua paixão absoluta, a tal molho de folhas jura “nosso” ministro fidelidade para a vida, batendo no peito, quase ameaçando soltar sua lágrimazita de emoção. Chuif chuif, senhor ministro, até eu, senhor ministro, mais meia horita dessas suas juras e era bem capaz de desatar uma choradeira, ui, que romântico, chuif, repito, lá diz o povo, “o amor é louco, não façam pouco”. 

Bom, enfim, “deslarguemos” estas cenas ridículas “tipo” Corín Tellado, quando não, arriscamos a levar com outros 340 episódios da telenovela AO90, juras de marmanjos, zaragatas entre galãs ligeiramente trogloditas, maledicência à tonelada, listas de compras e mau feitio a gastar.

Todos temos mais que fazer, certo?

Certo. Temos. Só “nosso” coiso parece que não.

Santos Silva: “Acordo ortográfico é para cumprir”

Por Paulo Jorge Pereira
e Fábio Carvalho da Silva

Por que razão se insiste no acordo ortográfico? Não é já o tempo de o acordo voltar para trás?

Bem, isso é da área da Cultura, não é comigo, mas vou responder-lhe com o meu ponto de vista. Eu não.

tenho nenhuma competência técnica nesse assunto, mas pelo que me dizem este acordo ortográfico é um dos que gozam de maior vigência na história dos acordos, porque tem havido revisões sucessivas. As pessoas escandalizam-se muito hoje por “para” não ter acento, assim como o meu grande mestre Vitorino Magalhães Godinho, em plenos anos 80, ainda escrevia e escreveu até morrer “criar” com “e”, porque não tinha aceitado a revisão de um determinado ano.

Agora, eu sou ministro dos Negócios Estrangeiros e Portugal é conhecido e respeitado em todo o mundo por cumprir os compromissos que assume. Há um acordo internacional de que Portugal fez parte – e mais uma vez não encontrará a minha assinatura nesse documento, não porque eu não quisesse mas porque não fazia parte do Governo de então – e Portugal não é um país que não cumpre os acordos internacionais que celebra. De outro ponto de vista, o acordo ortográfico é uma convenção ao abrigo do qual hoje em dia milhares de crianças aprenderam a escrever na escola, que antigamente se dizia primária e agora ensino básico, e julgo que também devemos respeitar os interesses dessas crianças e tudo o que fizemos.

Mas enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros o que posso dizer é que é um acordo internacional que foi celebrado pelas autoridades competentes, um Governo propôs a sua aprovação, uma Assembleia da República aprovou, um Presidente da República ratificou, cumpre ao ministro dos Negócios Estrangeiros verificar que o país respeita esse acordo.


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